Revista de estudos orientais


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Ciências teóricas
Ciência superior
DIVINA
Ciência
 intermediária
MATEMÁTICA
Quatro ramos
Aritmética
Geometria
Música
Astronomia
Subdivisões
Cálculo Indiano
Álgebra
Muqâbala
Medidas
Engenhosidade
Tração
Pesos
Máquinas
Espelhos
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Execução de 
instrumentos
Tábuas as-
tronômicas
Calendários
Ciência inferior
FÍSICA
Oito Ramos
A Física
O Céu e o Mundo
A Geração e a 
Corrupção
Os Meteoros
Os Minerais
A Alma
Os Vegetais
Os Animais
Subdivisões
Medicina
Astrologia
Fisiognomia
Oniromancia
Talismans
Teurgia
Alquimia
Ciências práticas
Três ramos
Ética
Economia
Política

Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 31-37 - 2008
37
Bibliografia:
ATTIE Fº, M. O intelecto no Livro da Alma de Ibn Sina (Avicena). Tese de 
  doutorado, FFLCH, USP, 2004.
___________ Falsafa, A filosofia entre os árabes. São Paulo: Palas Athena, 2002.
AVICENNE, La métaphysique du Shifa. Traduction G. Anawati. Paris: J. Vrin, 
  1985.
VVAA, Études sur Avicenne, “Êpitre sur les parties des sciences intellectuelles”. 
  Paris: Les Belles Letres, 1984. 

39
DO ESTUDO ACADêmICO DA bÍbLIA HEbRAICA
Suzana Chwarts*
Resumo:  Este  artigo  apresenta  uma    retrospectiva  sintetizada  da  trajetória  
dos  estudos  acadêmicos  da  Bíblia  Hebraica,  ressaltando  a  heterogeneidade  das 
abordagens  empregadas  no    processo  de  compreensão  e  interpretação  do  relato 
bíblico. 
Palavras-chave: Metodologia, Bíblia Hebraica, Estudos Bíblicos . 
Resume: This  article  presents  a  synthesis  of  the  trajectory  of  the  academic 
studies  of  the  Hebrew  Bible,  focusing  on  the  heterogeneity  of  the  approaches 
employed  in  the  process  of  comprehension  and  interpretation  of  the  Biblical 
account. 
Keywords:  Methodology, Hebrew Bible, Biblical Studies.
Muitos  estudiosos  atuais
1
  consideram  Benedict  Spinoza,  filósofo  judeu  do 
século 17, o fundador da abordagem científica  à  Bíblia Hebraica, com base em  
seu Tratado Teológico-Político, publicado em 1670.  Neste o autor argumenta  que 
a  Bíblia  Hebraica  deveria  ser  objeto  de  estudo  científico  e  formula    uma  linha 
metodológica  para seu estudo, fundamentada  no exercício crítico da razão e da 
história. 
As conclusões de Spinoza sobre Deus levaram a sua excomunhão e os estudos 
acadêmicos da Bíblia Hebraica permaneceram engessados na teologia  judaica e 
cristã, até seu renascimento  no círculo protestante do século 19, na Alemanha.  
Inspirados pela crítica histórica, que já havia sido aplicada aos textos clássicos 
durante a Renascença, e  influenciados por correntes  intelectuais de seu tempo 
- como o romantismo e a teoria da evolução - os estudiosos alemães romperam 
definitivamente  com  a  teologia,  submetendo  o  texto  bíblico  à  investigação  
filológica    da  mesma  forma  que  um  texto  secular,  e  desconsiderando    todas  as 
tradições  relacionadas à autoria  e autoridade.
* Professora Doutora de Estudos da Bíblia Hebraica na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
1. Sarna, Naum M.. Understanding Genesis.The World of the Bible in the Light of History. New York: Schocken 
Books, 1966, p. xxi.

Suzana Chwarts - Do Estudo Acadêmico da Bíblia Hebraica
40
O principal pilar da discussão teológica – o conceito de verdade – foi descartado 
para  abrir  espaço  à  investigação  crítica,  livre  dos  pressupostos  da  religião  e  da 
tradição exegética. 
Se, por um lado, pesquisadores como Wellhausen empreenderam um estudo 
minucioso  e  erudito,  por  outro,  chegaram  a  conclusões  que  refletiram  apenas  a  
bias do final do século 19: sua idealização da religião  imaculada de Israel  era 
profundamente  romântica    e  sua  caracterização  do  judaísmo  pós-exílico  como 
sistema meramente legalista e   declinante era profundamente anti-semita. 
A sua Hipótese Documental, entretanto, tornou-se uma afirmação clássica, uma 
teoria que estudiosos posteriores desenvolveram, aceitaram ou rejeitaram, de uma 
forma ou de outra, sempre dialogando com ela.  A idéia da combinação de diferentes 
fontes, de  períodos diversos,  no desenvolvimento do que hoje conhecemos como 
Pentateuco  tornou-se    um  pressuposto  amplamente    aceito  entre  estudiosos  da 
Bíblia Hebraica. 
Um evento no mundo da arqueologia mudaria para sempre o curso dos estudos 
da  Bíblia  Hebraica:  as  descobertas  dos  arquivos  reais  e  bibliotecas  de  cidades 
mesopotâmicas, canaanéias e egípcias e seus tesouros epigráficos revelaram aos 
estudiosos  modernos    o  fato,  até  então  desconhecido,  de  que  o  antigo  Oriente 
Médio  formava um continuum cultural, com intensa  troca de influências numa 
extensa área que incluía a Mesopotâmia, a Síria, Canaã, a costa da Ásia Menor, 
Chipre, Creta e Egito.
A descoberta dos escritos do antigo Oriente Médio coincidiu com a emergência 
de  novas  disciplinas  como  a  antropologia,  a  sociologia  e  o  estudo  do  folclore; 
e  tanto  as  novas  evidências  quanto  as  novas  disciplinas  foram  incorporadas  ao 
estudo acadêmico da Bíblia Hebraica, que passou  a ser ministrado nas grandes 
universidades,  inserido em  áreas como: estudos da religião, estudos orientais ou 
semitas  e estudos do judaísmo.
Esses documentos  permitiram a sincronização com informações contidas no 
relato bíblico, e as analogias foram empregadas  para  equacionar a distância e a 
proximidade entre as culturas, e sobretudo, para restituir o texto a seu contexto 
original e retirá-lo do vácuo sagrado da exegese. 
O influxo de data extrabíblica, juntamente  com o estudo da tradição oral  e do 
folclore, criou as bases para um novo tipo de  abordagem,  que transferiu o foco de 
interesse do aspecto histórico  para o literário. O foco passou a ser a intenção do 
autor/ redator bíblico, que se manifesta na forma e na organização de seu trabalho 
em unidades textuais maiores e mais complexas. 
A esta abordagem convencionou-se chamar crítica redacional, embora seja parte 
integrante da crítica histórico-gramatical, e não constitui  um método  diferenciado. 

Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 39-43 - 2008
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Sua preeminência,  nos últimos anos, é coerente com  o crescente interesse pelo 
estudo de unidades maiores de texto, que vem banindo, gradativamente,  o antigo 
sistema de análise versículo-por-versículo, prevalecente  na tradição teológica e 
nas primeiras décadas de estudos acadêmicos.
Mas  foi  a  crítica  literária  que  abriu,  de  fato,  uma  nova  perspectiva  para  se 
compreender a Bíblia Hebraica. A aplicação de sua metodologia, apoiada no estudo 
de filologia semítica comparada, permitiu a apreensão dos recursos expressivos 
do hebraico bíblico - as nuances dos valores léxicos, a força das metáforas e dos 
paralelismos, a integridade estilística e rítmica do texto.
A idéia central desta abordagem consiste em  considerar o conjunto da Bíblia 
Hebraica como uma obra literária,  e  estudá-la  tal como ela é, concentrando menor 
atenção nas circunstâncias  históricas de sua composição. O método  empregado é o 
da crítica retórica  (close reading), mas o objetivo final é a apreensão do significado 
do todo, a visão holística e não atomística. Por esta razão, cada vez mais  ênfase 
tem sido colocada  no enfoque  interdisciplinar no âmbito dos estudos bíblicos. 
Este  percurso possui a qualidade de criar novos parâmetros de compreensão, 
além de exigir a movimentação  em diversas áreas disciplinares e o confronto entre  
conceitos e instrumentos teóricos de correntes diversas.
A trajetória interdisciplinar é articulada, no caso da Bíblia Hebraica, a partir dos 
paradigmas da crítica literária e da crítica histórica que, associados,  propõem um 
eixo  de raciocínio fecundo, valioso na elucidação do texto e da visão de mundo 
que expressa.
Tal  é a opinião de grande parte dos estudiosos modernos, como Gotwald
2
, por 
exemplo, que argumenta  ser o eixo comum aos paradigmas  a preocupação central 
com a estrutura: a estrutura  dos escritos, por um lado –  objeto da crítica literária – 
e a estrutura  da sociedade israelita e judaica  na qual a Bíblia Hebraica foi escrita 
e transmitida. 
Os textos da Bíblia Hebraica  – compostos, alinhavados, editados e reeditados 
ao longo de nove séculos –  formam o corpus  literário fundacional da cultura 
israelita,  e são  suas  palavras e imagens que  compõem as tradições autoritativas 
desta cultura. 
No processo de compreensão deste núcleo texto/cultura é necessário reconhecer, 
e  tentar  ultrapassar,  as  limitações  de  cada  método  já  consagrado  nos  estudos 
bíblicos. Isto se dá exatamente através do olhar criativo, renovador, que um outro 
método oferece.
2.  Gotwald,  Norman  K.  Introdução  Socioliterária  à  Bíblia  Hebraica  (trad. Anacleto Alvarez).  São  Paulo: 
Paulus, 1988, p.41.

Suzana Chwarts - Do Estudo Acadêmico da Bíblia Hebraica
42
Assim, a resposta a uma pergunta  sobre o rei Davi - afirma Gotwald
3
  - gravita por 
canais metodológicos distintos, e transborda. Cada resposta evidencia um aparato 
–  lingüístico,  literário,  antropológico,  arqueológico  –  empregado  com  o  intuito 
de  iluminar o texto bíblico, através de uma confluência fértil, mas rigorosamente 
controlada,  de  modelos.  E,  no  entanto,  cada  resposta  evidencia  também    novos 
questionamentos,  saturados  de  subjetividades,  de  caráter  inesperado,  o  que  não 
permite a inércia nem a observação pré-moldada. 
É este caráter da Bíblia Hebraica – o de estar sempre aberta à  descoberta e a 
novas interpretações - que tem suscitado a demanda de abordagens inovadoras para 
seu estudo. 
Entre as mais recentes, destacam-se o feminismo, o liberacionismo e o pós-
colonialismo  (agrupadas  sob  o  termo  “guarda-chuva”  hermenêutica  cultural), 
nas quais a posição do intérprete não é apenas explicitada e validada, mas serve 
como princípio normativo  no processo de interpretação, centrado nas  categorias  
de  classe,  etnia  e  gênero.  O  estudioso  explora  ângulos,  até  então  desprezados, 
deslocando temas do passado para a sua realidade, e articulando-os – passado e 
presente - de tal maneira que ambos são transformados. A Bíblia  se impõe  como  
texto  de liberação, principalmente a narrativa do êxodo e os escritos dos profetas, 
núcleo  irradiador desses movimentos revolucionários. 
Também o fluxo contínuo de informações impulsionou os estudos bíblicos a 
incorporar novas abordagens. Desde 1970, a arqueologia tem revelado cada vez 
mais data sobre a configuração da população, costumes domésticos e religiosos, 
práticas agrícolas, pecuaristas e comerciais do mundo bíblico. O material epigráfico, 
descoberto em escavações e datado com precisão, constitui  uma evidência valiosa 
para a contextualização dos escritos bíblicos. 
Essas  informações,  juntamente  com    um  amplo  leque  de    possibilidades  de 
modelos  comparativos  de sociedades não  urbanas descentralizadas, têm  gerado 
novas hipóteses sobre os primórdios de Israel, sem que nenhum consenso tenha 
sido ainda  alcançado.  
É  através  deste  “caleidoscópio  multimetodológico”  que  a  Bíblia  Hebraica  
emerge como um documento essencialmente  humano, que registra o anseio do 
homem para compreender Deus nas relações humanas e  na história de um povo. 
Por esta razão, embora essencialmente  secular, o estudo acadêmico não deve  
dessacralizar a Bíblia Hebraica. Não se pode exilar o elemento sagrado de escritos 
que foram formulados  com o  propósito explícito de ser literatura sagrada, nem 
3. idem, p. 41.

Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 39-43 - 2008
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desconsiderar os significados de revelação, punição e redenção atribuídos a  eventos 
da história dos antigos israelitas. 
A sobrevivência dos livros  que compõem a Bíblia Hebraica  deve-se à crença 
por parte dos israelitas de que ela  continha a palavra de Deus e palavras inspiradas 
por Deus. Embora não se empregue uma hermenêutica específica para tratar de 
textos consagrados pela tradição como sagrados, qualquer outra postura, que não a 
de respeitar esta dimensão dos textos bíblicos, implica perverter a sua essência.
O desafio do estudo acadêmico da Bíblia Hebraica, contudo, não se restringe à  
abordagem crítica. Os modos de expressão, categorias de pensamento e o ambiente 
sociocultural pressupostos nas narrativas e nas leis são estranhos ao pensamento 
ocidental, embora o Antigo Testamento seja o livro mais lido do mundo. 
O  contato  da  grande  massa  de  leitores,  e  surpreendentemente  de  vários  
estudiosos, com a  Bíblia Hebraica dá-se através de suas inúmeras apropriações: 
traduções, versões, paráfrases antigas e modernas. Já o texto hebraico suscita uma 
compreensão  totalmente  distinta,  em  particular  por  sua  raiz  triconsonantal  que 
permite  múltiplas significações, entrelaçando sentidos e construindo um texto fértil 
em polissemias e ambigüidades, um desafio a qualquer exercício de tradução.
Debruçar-se, horas a fio, sobre o original, implica reformular nosso padrão de 
pensamento e raciocínio, e mergulhar nas dimensões de uma racionalidade antiga 
e desconhecida, que se revela  aos poucos,  encantando-nos no processo de sua 
leitura interminável.
Bibliografia:
Gotwald, Norman K. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica  (trad. Anacleto 
Alvarez) São Paulo: Paulus, 1988.
Sarna, Naum M. Understanding Genesis.The World of the Bible in the Light of 
History. New York: Schocken Books, 1966.

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 NAS TRAmAS DAS NOITES
Christiane Damien Codenhoto*
Resumo: Este artigo apresenta uma abordagem geral sobre o percurso do livro 
As mil e uma noites, desde sua origem controversa e seus manuscritos até suas 
traduções e recepção no mundo ocidental.
Palavras-chave:  As  mil  e  uma  noites,  Galland,  literatura  árabe,  Chahrazád, 
Islã.
Abstract:  These  article  presents  a  general  approach  about  the  trajectory  of 
the  book  The  Thousand  and  One  Nights,  since  its  controversial  origin  and  its 
manuscripts, until its translations and reception by the western world.
Key words: The Thousand and One Nights, Galland, Arab literature, Shahrazád, 
Islam.
As Mil e Uma  Noites.  Um dos títulos mais belos do mundo, segundo Jorge 
Luis Borges. O número mil nos remete, imediatamente, à imagem do inesgotável, 
inexaurível. Talvez, seja essa a sua encantadora beleza: um livro que nos conduz 
ao infinito, a um tempo desprovido de limites. Histórias tecidas, cuidadosamente, 
todas as noites e, em cada uma delas, a singular elaboração que vislumbra a sua 
terna permanência naquele que nelas se aventura.
 Do ponto de vista dos estudiosos, o título remete à influência da expressão 
de  origem  turca  bin  bir,  que  significa  “mil  e  uma”,  utilizada  para  indicar  uma 
grande  quantidade.  E,  realmente,  um  dos  traços  mais  marcantes  das  narrativas 
mileumanoitescas  reside  no  próprio  sentido  e  atmosfera  do  título  da  obra,  ao 
pensarmos na diversidade de textos de um livro que, na verdade, não possui uma 
única redação. Assim, o tempo nos legou uma série de manuscritos que diferem 
entre si quanto ao número, diversidade e variantes das mesmas histórias. Zotenberg, 
orientalista que introduziu os estudos dos manuscritos de As Mil e Uma Noites
classificou-os em três grupos. O primeiro, denominado Família A¬, é composto 
de manuscritos oriundos de países muçulmanos da Ásia, os quais formam o grupo 
oriental e são considerados os mais antigos. Os demais – Família B e C – são de 
origem egípcia e se diferenciam quanto à distribuição de contos. 
__________
* Mestranda do Programa de Língua, Literatura e Cultura Árabe da Universidade de São Paulo.

Christiane Damien Codenhoto - Nas tramas das Noites
46
Os textos datam dos séculos XIII ao XIX, mas as questões acerca da data de 
sua elaboração e o local ainda são bastante controversas. O fato de As Mil e Uma 
Noites  terem  sido  edificadas  ao  longo  dos  séculos  por  autores  anônimos  torna 
praticamente impossível, até os dias de hoje, o conhecimento exato acerca do local 
de nascimento da obra. O único ponto de convergência, entre os diversos estudiosos, 
é o fato de as histórias serem originárias do Oriente. No século XIX, orientalistas 
europeus realizaram longas discussões acerca da origem de As Mil e Uma Noites
Langlès (1814) defendeu a origem indiana, Hammer (1827 e 1839), a persa e a 
indiana e Silvestre de Sacy (1817 e 1829), a árabe. No final do século XIX, de 
Goeje, um orientalista holandês, sustentou uma tese que ressaltava a origem persa 
com elementos judaicos. Silvestre de Sacy considerou que as hipóteses da origem 
indiana e persa não foram apresentadas de maneira convincente, sustentando que As 
mil e uma noites eram uma obra árabe porque possuíam o “espírito e a concepção 
de mundo” muçulmanos. O autor ressaltou essa idéia esclarecendo elementos que 
perfazem o universo árabe: todos os personagens dos contos são muçulmanos; a 
maior parte dos acontecimentos se dá na região dos rios Tigre, Eufrates e Nilo; 
as ciências reais ou fantásticas são as mesmas de que os árabes se vangloriam; os 
gênios são da mitologia árabe; as religiões identificadas na obra são o Islamismo, o 
Cristianismo e o Judaísmo, além das referências a Moisés, David e Asaf, que eram 
desconhecidos na Pérsia e na Índia antes da introdução do Islamismo. Outro ponto 
importante levantado por De Sacy é o fato de que a história do Islã não recusa 
elementos  de  outras  culturas,  como  observaram  autores  árabes  do  século  X,  ao 
identificar a interferência persa e indiana na produção literária árabe. Desse modo, 
os  contos  mileumanoitescos  se  constituem  por  um  entrelaçamento  dos  saberes 
chinês, judaico-cristão, persa, indiano, árabe e até mesmo o grego, o que, porém, 
não interfere na óptica de mundo muçulmana do livro.
  Os  pesquisadores  ainda  hoje  apontam  entre  as  fontes  mais  longínquas  de 
As  Mil  e  Uma  Noites  uma  obra  de  origem  persa,  chamada  Hazar  afsán  –  “mil 
mitos”. Da Pérsia e da Mesopotâmia (que hoje correspondem, respectivamente, 
ao Irã e ao Iraque), estima-se que as histórias seguiram para a Síria por meio de 
cópias,  desprovidas  das  regras  rigorosas  às  quais  os  livros  canônicos  estavam 
submetidos, mas foram difundidas, sobretudo, através do sistema oral. Os relatos 
dos  contadores  foram  propagando  o  texto  pelo  Oriente,  provocando  na  sua 
forma escrita modificações e adaptações na linguagem, de modo que a redação 
foi compondo-se por um dialeto árabe intermediário entre o urbano – para o qual 

Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 45-49 - 2008
47
revela uma forte tendência – e o clássico – que permeia o texto durante o tempo 
todo –, como ressalta o tradutor Mamede Mustafa Jarouche
1
.
 Ademais, há referências concretas de um fragmento de manuscrito pertencente 
à primeira metade do século IX. O pesquisador iraquiano Muhsin Mahdi, à luz de 
demais estudiosos, propõe que este seria a primeira elaboração de As Mil e Uma 
Noites, compilado na cidade de Bagdá, no período da dinastia abássida. É possível 
ler,  nesse  fragmento,  cerca  de  vinte  linhas  que  constituem  parte  do  “prólogo-
moldura”  –  enredo  que  antecede  as  histórias  contadas  ao  longo  de  um  livro  –, 
cujo conteúdo atém-se a uma personagem feminina chamada Chirazád que narra 
histórias junto com outra personagem chamada Dinazád; não é, entretanto, possível 
fazer uma única asserção sobre quais histórias eram narradas.
No tocante à própria obra, As Mil e Uma Noites prestigiam a arte de contar. 
No “prólogo-moldura” o encantador ofício de narrar é posto a lume por meio da 
personagem-narradora, a ardilosa filha do vizir, Chahrazád, que, para se salvar da 
ameaça  de  morte  feita  pelo  próprio  marido  –  o  rei  Chahriár  –,  conta-lhe  todas 
as  noites  curiosas  histórias.  Entrelaçando  seus  contos  pelos  fios  dos  elementos 
mágicos, coloridos e plenos de calor, Chahrazád, a hábil contadora, encanta o rei 
todas as noites e mantém a curiosidade de seu senhor suspendendo o final da última 
história ao raiar do dia. O marido vai poupando-a da morte para ouvir, na próxima 
noite,  o  desfecho  da  narrativa  interrompida,  que  é  seguida  de  novas  histórias 
surpreendentes... Não podemos esquecer que os próprios personagens dos contos 
de Chahrazád são também habilidosos contadores. O pescador, o gênio, o vizir, o 
mercador, o médico, a princesa, enfim, os mais variados integrantes das histórias 
sabem contar as alegrias e desventuras que permeiam suas vidas e dos que estão 
ao seu redor, revelando a nós, leitores, idéias e valores do mundo muçulmano, sua 
história e o imaginário popular entremeado de elementos fantásticos. 
A voz concedida aos personagens para que contem as suas histórias acaba por 
construir uma complexa estrutura narrativa composta de contos inseridos no interior 
de outros contos que, por seu turno, são mantidos por um eixo condutor – edificado 
por Chahrazád, a exímia narradora da obra –, do qual partem e ao qual retornam 
as sucessivas histórias. O livro, que nos sugere a partir do próprio título a idéia de 
infinito, mais uma vez, agora pela sua complexa estrutura, nos conduz à imagem 
dos contornos espiralados de um campo sem limites, inesgotável, quase eterno.
1.   JAROUCHE, M.M. O “prólogo-moldura” das Mil e uma noites no ramo egípcio antigo. Tiraz: revista de 
estudos árabes e das culturas do Oriente Médio. USP. FFLCH. Departamento de Letras Orientais. São Paulo: 
Humanitas, 2004, ano I, vol. 1, pp 70-117.

Christiane Damien Codenhoto - Nas tramas das Noites
48
As Mil e Uma Noites aportaram na Europa no século XVIII, mais especificamente 
na  França  –  regida  por  uma  literatura  plena  de  normas,  todas  elas  embasadas 
na  concepção  clássica  de  autores  gregos  e  latinos  –,  por  meio  da  tradução  do 
orientalista Antoine Galland; a partir de então, iniciou-se um processo de difusão 
dessas narrativas no Ocidente, que, seduzido pelos encantos de uma literatura e de 
uma cultura bem diferentes da cristã, passou a produzir inúmeras obras inspiradas 
por essas histórias ao longo dos tempos que se seguiram. 
 Os primeiros tomos da versão francesa de Galland foram publicados no ano de 
1704 e, durante os treze anos seguintes, ele completou a coleção dos contos com 
uma série de doze volumes. O orientalista baseou sua tradução num manuscrito 
árabe, datado do século XIV, pertencente ao grupo oriental, considerado o mais 
antigo das Noites. O manuscrito é constituído de três volumes e, hoje, encontra-se 
depositado na Biblioteca Nacional de Paris.  
A partir da tradução do orientalista francês, surgiram outros tradutores, entre 
eles destacamos E. Lane (1839) e Burton (1885) em língua inglesa; Mardrus (1899-
1904), René Khawam (década de 60), André Miquel e Jamel Eddine Bencheikh 
(década de 90), em língua francesa; Littmann (1921-1928), em alemão; Cansinos-
Asséns  (1955),  em  espanhol;  e  a  primeira  tradução  em  língua  portuguesa  por 
Mamede  Mustafa  Jarouche,  cuja  publicação  foi  iniciada  em  2005.  Embora  a 
tradução de Galland tenha sido considerada, pelos orientalistas, infiel aos textos 
originais, “a pior de todas, a mais mentirosa e mais fraca”
2
, para Borges, ela foi a 
“melhor lida”
3
  porque encantou, causou sensações de “assombro e felicidade”
4
 a 
quem sobre ela pôde se debruçar.
Não podemos deixar de lembrar que a versão de Galland foi a base para as 
traduções que se seguiram nos três séculos posteriores ao ano de sua publicação. 
A partir dela foram realizadas traduções nas mais diversas línguas no Ocidente 
e Oriente, além das adaptações para a literatura infanto-juvenil de A. Henri, na 
França,  e  dos  irmãos  Grimm,  na Alemanha.  O  mundo  conheceu,  afeiçoou-se  e 
se encantou por As Mil e Uma Noites apresentadas por Galland e, ainda hoje, as 
histórias mais conhecidas descendem do primeiro tradutor francês.
Entre  as  várias  acusações  dirigidas  a  Galland,  no  tocante  à  infidelidade  aos 
textos  originais,  está  a  de  que  o  orientalista  teria  adaptado  os  contos  ao  gosto 
francês  da  época,  além  de  ter  acrescentado  novas  histórias  ao  livro.  Entre  elas 
estão as mais conhecidas, como “Aladim e a lâmpada maravilhosa”, “Ali Babá 
2. BORGES, J.L. História da eternidade. Rio de Janeiro: Globo, 1986. p. 77-95.
3. Ibidem, p.78.
4. Ibidem, p.78.

Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 45-49 - 2008
49
e os quarenta ladrões”, “Príncipe Ahmed e a fada Pari-Banu”, “Abu Hassam e o 
adormecido desperto” e “Aventura noturna de Harun Al Rachid”, que não constam 
no manuscrito que lhe serviu de base. Tais histórias são atribuídas ao maronita 
Hanna Diap, que, no contexto de uma viagem à França, divertiu o orientalista e 
demais ouvintes com suas fabulosas narrativas. Khawam, no entanto, sugeriu que 
tais contos pertenceriam ao acervo turco
5
. De qualquer maneira, o modo como as 
histórias passaram a pertencer à obra é uma discussão polêmica; nesse sentido, 
como sugere Borges, o traço característico da obra é a própria inexistência de um 
texto acabado
6
. Cada tradutor, no passado, no presente ou nos tempos que estão por 
vir, contribui com uma versão diferente, mesmo porque há o fato de os manuscritos 
possuírem origem diversa; além da própria particularidade das línguas, que, no ato 
da tradução, interfere significativamente na elaboração do sentido do texto, mais 
um motivo para que Borges observasse a existência de muitos livros chamados As 
Mil e Uma Noites
7
 
O livro trazido do Oriente por Antoine Galland inspira e instiga a criação de 
novas histórias e obras desde o momento de sua primeira publicação, na comedida 
França  de  Luís  XIV.  Pode-se  até  mesmo  dizer  que  o  romantismo  despontava, 
timidamente, naqueles salões franceses do século XVIII, onde a leitura de As Mil 
e  Uma  Noites  promovia  a  saída  de  um  universo  literário  legislado,  suscitando 
um  imaginário  liberto,  tão  valorizado  e  perseguido  pelos  autores  românticos, 
tendência essa vivenciada até a atualidade. As Mil e Uma Noites foram fonte de 
inspiração para os autores do romantismo, que, na busca de elementos e lendas 
que identificassem as culturas nacionais, encontraram no livro árabe importantes 
referências: a figura do contador, os mitos, a religião e os valores morais presentes 
na obra. O reconhecimento da riqueza de As Mil e Uma Noites não ficou restrito 
aos autores românticos do século XIX. Ainda hoje é uma obra que inspira, desperta 
interesse, curiosidade e prazer naquele que nela se aventura.
5. Cf. NABHAN, N. N. As mil e uma noites e o saber tradicional. 1990. Tese (Livre Docência) – Faculdade de 
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990, p.68.
6. BORGES, J.L. Sete noites. São Paulo: Max Limonad, 1987, p.87.
7. Ibidem, p.87.

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ELEmENTOS FORmADORES DO ImAgINáRIO 
SObRE O jAPONêS NO bRASIL
Rogério Dezem*
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