Revista de estudos orientais
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Bibliografía: _________. “Treze perguntas para Milton Hatoum”, Magma. Pós-Graduação do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada, USP, nº8, 2002/2003, São Paulo. Fonseca, Maria Augusta (org.). Olhares sobre o Romance. São Paulo, Nankin Editorial, 2005. Hatoum, Milton. “Armadilhas para um leitor”. Entre Livros, ano I, nº 9, São Paulo, s/d. Iegelski, Francine. “Raduam e Hatoum em contraponto”. Biblioteca Entre Livros, ano I, nº 3, São Paulo, s/d. Kanzepolsky, Adriana. “Escribir la memoria”. Nueve perros, ano 4, nº 4, 2004, Rosario. Marcondes e Ferreira de Toledo, Marleine Paula. Milton Hatoum. Itinerário para um certo Relato. São Paulo, Ateliê Editorial, 2006. Ozick, Cynthia. “Metáfora y memoria”, en Diario de poesía, nº 44, 1997/98. Saer, Juan José. Una literatura sin atributos. Santa Fe, Universidad Nacional del Litoral, 1986. Scramim, Susana. “Milton Hatoum”. Revista Cult, nº 36, s/d. São Paulo. Scramim, Susana. “Um certo Oriente: imagem e anamnese”, em Cristo, Maria da Luz Pinheiro. Milton Hatoum – Arquitetura da Memória: ensaios sobre os romances Dois irmãos e Relato de um certo Oriente. Manaus, EDUA- Editora da Universidade do Amazonas, 2006. Zilberman, Regina. “Memória entre oralidade e escrita”, em Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 41, nº 3, setembro de 2006. 109 DIáSPORA ARmêNIA NO bRASIL Mônica Nalbandian Marcarian* Resumo: Na história as nações existem e desaparecem. Os Armênios existem no mundo nos últimos quatro mil anos. Eles contribuíram para o crescimento das civilizações, aceitaram o cristianismo bem no início da era cristã. No final do século XIX começou a sofrer sistemáticas perseguições e assassinatos. A única forma de sobrevivência era migrar para países que aceitassem e dessem oportunidades a imigrantes para melhorar sua vida e ter paz. Os armênios que vieram ao Brasil procuravam uma vida pacífica. Começaram a trabalhar nas mais diferentes áreas, formaram suas famílias e tornaram-se respeitáveis brasileiros sem esquecer a cultura, língua e história de seus ancestrais. Palavras-chave: sobrevivência, novos horizontes, paz, prosperidade. Abstract: Nations existed and disappeared during history. Armenians existed in the world for the last four thousand years. They contributed for the growing of civilizations, accepted Christianity at the very beginning of Christian era. At the end of XIX Century Armenians began to suffer with systematic persecutions and assassinations. The only way of surviving was to immigrate to countries which accepted and gave opportunities to immigrants to improve their living and have peace. Armenians who came to Brazil were seeking for peaceful life. They began to work in many different areas, formed their families and became lawful Brazilians without forgetting their ancestors’ culture, language and history. Keywords: survival, new horizons, peace, prosperity. Todo e qualquer texto que faça referência à Diáspora Armênia no século XX terá como fontes principais relatos de imigrantes armênios que foram forçados a emigrar de sua terra natal. Poucos são os livros que registram a formação da Diáspora Armênia, porém a história contada não difere tanto dos relatos já publicados por outros povos que sofreram perseguições e foram forçados ao exílio. __________ *Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora Visitante da Área de Língua e Literatura Armênia do DLO Mônica Nalbandian Marcarian - Diáspora Armênia no Brasil 110 No que se refere à chegada dos armênios ao Brasil, há dois livros, um em armênio de autoria do Arcipreste Yeznig Vartanian (1948) e outro em português de autoria do Reverendo Pastor Aharon Sapsezian (1988), constantes da bibliografia relacionada no final deste artigo. A maior parte das informações é fruto de entrevistas com os primeiros armênios de São Paulo, bem como de pesquisas realizadas nos acervos de correspondência e documentos das organizações da coletividade. Para falar da Diáspora Armênia no Brasil, é necessário definir, em primeiro lugar, o que se entende por diáspora. Segundo o Penguin Atlas of Diasporas, diáspora é “a dispersão coletiva forçada de um grupo religioso ou étnico precipitado por um desastre freqüentemente de natureza política”. A Nação Armênia, em sua história milenar, teve vários movimentos considerados diaspóricos, sendo o primeiro em 1080, rumo à Cilícia. Nos séculos XVII e XVIII, começa o movimento diaspórico em larga escala para a Europa, como conseqüência de dominações e perseguições. Cidades como Amsterdã, Londres e Marselha possuem até hoje igrejas construídas naquela época, símbolos eternos da passagem deste povo cristão. Existem também registros de forte presença armênia na Ásia. A partir do início das matanças sistemáticas de armênios nos anos de 1895 e 1896, o movimento diaspórico se intensifica especificamente para os Estados Unidos da América. Nessa mesma época, algumas famílias armênias chegam ao Brasil. Segundo VARTANIAN (1948) o início da formação da coletividade armênia no Brasil data do final do século XIX, quando a família Gasparian chega a São Paulo. O patriarca da família, Gaspar Gasparian, foi o primeiro a chegar e trouxe aos poucos também seus sobrinhos Nazarian e Jafferian, dando início assim ao que hoje conhecemos como Comunidade Armênia do Brasil. Segundo relatos, não confirmados, Dom João VI teria contratado um engenheiro holandês de origem armênia que veio ao Brasil, cumpriu seu contrato e voltou à Holanda. Os primeiros armênios que vieram de Kharpert, Armênia histórica, foram os pioneiros de um movimento que ganhou força nos anos 20. A Diáspora Armênia no Brasil se formou, verdadeiramente, no período de 1924 a 1926, segundo VARTANIAN (1948), quando um grande número de imigrantes provenientes da Síria, Líbano, Egito e Turquia aportou em terras brasileiras. Eles eram sobreviventes do Genocídio Armênio de 1915 e num primeiro momento tinham conseguido refúgio nos orfanatos, hospitais e casas comunitárias mantidas por organizações armênias fundadas especialmente para dar abrigo e alimentar os armênios, estabelecidas em cidades como Beirute, Cairo, Jerusalém, Aleppo, Damasco. Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 109-115 - 2008 111 Esses imigrantes vieram com documentos sírios, libaneses, gregos, egípcios, turcos, ou mesmo com o passaporte nanseniano 1 , documento expedido especialmente para sobreviventes do genocídio que não possuíam nenhum tipo de documento pessoal. Tratava-se de uma forma de autorização internacional, que levava o nome do seu criador Fridtjorf Nansen, e permitia embarcar para o destino escolhido. Na verdade, o destino de muitos não tinha sido nem sequer escolhido, era apenas a certeza de ir para a América, terra nova, de oportunidades, e não necessariamente ao Brasil. Essa certeza é a mesma que permeia a trama do filme América, América de Elia Kazan, que retrata fielmente o desejo dos imigrantes de “fazer América” como diziam, sem sequer saber que o continente americano era uma terra que abrigava culturas, raças e nações diferentes entre si. O primeiro porto na América do Sul era o Rio de Janeiro, local onde ficaram vários armênios, formando uma comunidade considerável com aproximadamente trezentas famílias, que se organizaram em instituições e, apesar de não terem tido a oportunidade de construir uma igreja, ficaram unidas às denominações religiosas armênias de São Paulo. Os armênios que chegaram ao Brasil foram bem recebidos e se espalharam por vários estados. Os registros da comunidade demonstram que os armênios residem ou residiram no Ceará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito Federal e São Paulo. É provável que haja armênios em outras partes do país, porém não há informações oficiais. É necessário lembrar que os primeiros armênios trabalharam como mascates e, portanto, trilharam os caminhos do Brasil em todas as direções. Na verdade, a comunidade armênia do Brasil, centralizada hoje em São Paulo, Osasco e Rio de Janeiro, é fruto da reunião de famílias que começaram sua vida no interior e, pouco a pouco, se estabeleceram nos grandes centros. Cidades como Campo Grande, Guaxupé, Uberaba, Santa Maria, Porto Alegre, São José do Rio Preto, Anápolis, Araçatuba, Lins, Nova Palestina, Penápolis, São Paulo, Osasco, Fortaleza, Rio de Janeiro são alguns exemplos. Esses locais receberam de braços abertos os sobreviventes do genocídio armênio e lhes deram a possibilidade de trabalhar, formar famílias e progredir. O povo armênio sempre foi grato àqueles que o ajudaram. A história demonstra isto. Os armênios do Brasil se organizaram, erigiram suas igrejas e templos, suas escolas, suas instituições. Trabalharam com afinco e deram aos seus filhos a possibilidade de ter uma profissão, um diploma. Esses filhos começaram a trabalhar, tornando-se, em alguns casos, personalidades de destaque na vida do país. 1. É possível ver documentos desse tipo no acervo do Memorial do Imigrante. Mônica Nalbandian Marcarian - Diáspora Armênia no Brasil 112 Onde quer que dois armênios se encontrem, sempre haverá uma igreja e uma escola. No Brasil, não foi diferente. A organização da comunidade, especialmente em Osasco e São Paulo, é um exemplo disso. Segundo VARTANIAN (1948), já em 1924, a Igreja Apostólica Armênia tinha seu representante. Nos anos 30, a primeira igreja foi construída. Hoje existem duas igrejas: uma em Osasco e outra em São Paulo, a sede da Diocese. Já SAPSEZIAN (1988) lembra que a Igreja Evangélica Armênia existe no Brasil desde 1931 e a Católica Armênia, desde 1935. A vida comunitária começou a organizar-se com a fundação do Azkain Turian Varjaran, Externato José Bonifácio, que há 79 anos educa as crianças e jovens da comunidade. O povo armênio sempre se destacou perante seus vizinhos pela educação e cultura. Sua história e cultura milenares são estudadas por pesquisadores de inúmeros países. A necessidade de manter tradições, costumes, língua e cultura milenares, de fortalecer o sentimento de armenidade nas gerações nascidas na diáspora, foi e é ponto de extrema importância para os armênios, daí a preocupação de manter escolas, cursos de língua armênia, instituições beneficentes, culturais e regionais. Com o decorrer dos anos, a comunidade armênia do Brasil organizou-se em instituições, procurando assim locais para unir os imigrantes e seus descendentes. Hoje, com mais de oitenta anos de existência, a comunidade tem as três igrejas, a escola já mencionada, cursos de língua e cultura armênia no Clube Armênio (fundado em 1941) e na União Geral Armênia de Beneficência (fundada em 1964), associações culturais formadas dentro dos três históricos partidos políticos armênios, a Associação Beneficente de Damas Brasil Armênia e sua Casa de Repouso. Há também a Marachá, organização que congrega os imigrantes nascidos em Marash, uma das cidades que sofreram durante o genocídio, e seus descendentes. Nenhuma nação pode perdurar sem investir nas futuras gerações. Os armênios sempre souberam que a existência do povo armênio na diáspora dependia dos seus descendentes, cidadãos natos dos países que os acolheram. A comunidade armênia do Brasil hoje oferece aos representantes da terceira e quarta gerações instalações esportivas (dois ginásios de esportes), bibliotecas, salas de reunião para que conheçam e sintam orgulho de suas raízes e percebam que são seres privilegiados, pois são guardiões de duas culturas, a brasileira e a armênia. Sempre que se fala da Armênia, se pensa na distância. Porém, a comunidade sempre manteve laços estreitos com a Armênia. Nos 70 anos da Armênia Soviética, o elo era o Comitê de Relações Culturais com os Armênios da Diáspora, que constantemente enviava livros e materiais diversos para as escolas armênias, bem como para a Cadeira de Língua e Literatura Armênia da USP, estabelecida em Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 109-115 - 2008 113 1962 (segundo publicação no Diário Oficial), uma iniciativa pioneira na América do Sul e uma forma de divulgar a língua, literatura, cultura e história para além das fronteiras da comunidade. A partir de 1982, artistas e escritores da Armênia visitaram terras brasileiras. A comunidade armênia teve, em duas oportunidades, em 1985 e 1987, a possibilidade de enviar grupos de jovens à Armênia em viagem cultural. O terremoto de dezembro de 1988 trouxe uma nova realidade à comunidade. Preocupada com mais um momento de extremo sofrimento na história armênia, a comunidade uniu-se e trabalhou incansavelmente para enviar sua ajuda aos desabrigados. Mais uma vez, o governo e o povo brasileiro mostraram sua solidariedade e prestaram seu auxílio à comunidade, contribuindo na campanha nacional para arrecadação de roupas, medicamentos e alimentos, bem como na cessão de um avião da FAB para levar as mais de 40 toneladas de doações. Passados já 100 anos da chegada dos primeiros armênios, é possível afirmar que a comunidade está totalmente inserida na realidade nacional. Há muitos representantes na vida política e econômica. Qualquer registro escrito sobre a comunidade não esquece personalidades como os deputados federais Ubirajara Keutenedjian, Fernando Gasparian e Antonio Kandir; deputados estaduais como Carlos Kherlakian; Hrant Sanazar, primeiro prefeito de Osasco; ministro Antonio Kandir; Pedro Bedrossian, governador de Mato Grosso. Na área diplomática, muitos são os que serviram ou servem no Itamaraty. Só para citar alguns: Helena Gasparian, Garmirian e o atual embaixador brasileiro no Uruguai Arslanian. Nas diferentes profissões ou segmentos econômicos do país, o sobrenome com sufixo -ian aparece constantemente. Nomes como Aracy Balabanian, Stephan Nercessian, Denis Derkian tornaram-se conhecidos do grande público através de suas atuações na televisão. Há personalidades da comunidade que têm importância histórica dentro e fora do âmbito armênio, como é possível verificar em VARTANIAN (1960) e SAPSEZIAN (1994). Comendadores Karnig Bazarian, André Jafferian, José Distchekenian e Yertchanig Kissadjikian; Dr. Simão Kerimian, Prof. Dr. Yessai Kerouzian, Prof. Dr. Antranig Manissadjian, Dr. Antonio Miksian e Dr. Varujan Burmaian são alguns desses grandes homens destacados em suas áreas de atuação. Durante muitas décadas, talvez a única fonte de divulgação da armenidade tenha sido a Cadeira de Língua e Literatura Armênia. Os membros da comunidade na sua luta pela sobrevivência pouco fizeram para que a história e a cultura milenares fossem conhecidas em âmbito nacional, a não ser graças a algumas exceções. Porém, muitos foram e são os jovens não-descendentes de armênios que conhecem e divulgam a história, língua e cultura armênias. Mônica Nalbandian Marcarian - Diáspora Armênia no Brasil 114 Há poucos anos, a comunidade “despertou”, sentiu a necessidade de mostrar ao país que existia, e organizou uma exposição sobre a imigração armênia no Memorial do Imigrante. Apesar de ter sido uma das comunidades que colaboraram no início da existência do Memorial nos anos 90, ainda não tinha utilizado o espaço para divulgar sua existência. No ano de 2001, nas comemorações dos 1700 anos da adoção do cristianismo, a comunidade, mais uma vez, montou uma exposição bastante comentada. Desta vez, o intuito foi mostrar ao público que é a primeira nação cristã do mundo. Em 2004, por ocasião da primeira visita pastoral de Sua Santidade Karekin II, Patriarca Supremo e Katolicós de todos os armênios, a Pinacoteca foi palco da Exposição dos Tesouros da Igreja Armênia, os quais a Igreja guardou através dos séculos e das dominações. Em 2005, chegou o momento de mostrar ao mundo que, após noventa anos do genocídio, os armênios e seus descendentes continuam mantendo a cultura viva nos países em que se estabeleceram. Com a independência da República da Armênia, a comunidade teve mais uma alegria, o estabelecimento de relações diplomáticas com o Brasil. A existência do Consulado Geral da República Armênia em São Paulo e a definição do local para futura embaixada em Brasília demonstram isso. Hoje, após tantas décadas, a comunidade mostra, por meio da cultura, da língua e do trabalho, que é grata ao Brasil que acolheu seus pais e avós e lhes deu oportunidade de progredir. A melhor forma que encontra para expressar sua gratidão é servir à pátria brasileira com dedicação. Infelizmente, como mencionado no início do texto, não há muitos registros escritos sobre a vida da comunidade. A Comunidade Armênia de Osasco há pouco tempo organizou os documentos em uma área específica: o Clube Armênio e a União Geral Armênia de Beneficência estão montando seus arquivos catalogados. Como fontes de pesquisa, existem hoje também as bibliotecas das Igrejas e da escola, apesar da exígua bibliografia sobre o assunto. Para entender os armênios e a diáspora armênia no mundo, é necessário entender as palavras de William Saroyan (1908 – 1981), escritor armeno-americano, aqui traduzidas: Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 109-115 - 2008 115 Gostaria de ver qualquer poder do mundo destruir essa raça, essa pequena tribo de pessoas pouco importantes, cujas guerras foram todas perdidas, cujas estruturas ruíram, cuja literatura não é lida, cuja música não é ouvida, e orações não são respondidas. Vá em frente, destrua a Armênia. Veja se você pode fazê-lo. Envie-os ao deserto sem pão ou água. Queime suas casas e igrejas. Depois, veja se eles não rirão, cantarão e rezarão novamente. Pois quando dois deles se encontrarem qualquer lugar do mundo, veja se não criarão uma nova Armênia. Saroyan, William in CHALIAUD and RAGEAU – Penguin Atlas of Diasporas – USA, 1995. Bibliografia: BOURNOUTIAN, George A. A History of the Armenian People vol. I. New York, Mazda Publishers, 1993. CHALIAUD and RAGEAU. Penguin Atlas of Diasporas. Penguin Publishing Company, USA, 1995. COTTORELL, Arthur (editor). The Penguin Encyclopedia of Ancient Civilizations. England, Penguin Books, 1988. SAPSEZIAN, Aharon Rev. História da Armênia – drama e esperança de uma nação. São Paulo, Paz e Terra, 1988. VARTANIAN, Yeznig Rev. A Comunidade armênia do Brasil – (em armênio). Buenos Aires, Sipan, 1948. Pesquisas em acervos: Igreja Apostólica Armênia São Jorge – São Paulo União Geral Armênia de Beneficência – filial São Paulo Entrevistas Sobreviventes que vieram ao Brasil – alguns vivos ainda 117 A mULTICULTURALIDADE OTOmANA. ImIgRANTES jUDEUS DO ImPéRIO OTOmANO NO bRASIL Rachel Mizrahi* Resumo: a convocação obrigatória para o serviço militar, o desemprego, a pobreza e outros motivos gerados no fim da Primeira Guerra Mundial levaram a que sefaradim e judeus-orientais emigrassem para a América. Embora o Brasil não fosse o local de preferência, algumas famílias desses imigrantes se instalaram em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nessas cidades, sefaradim e judeus-orientais organizaram-se em comunidades com características distintas dos judeus de outras origens, que também emigraram no mesmo período. Estudos comparativos entre esses imigrantes nos levaram a considerações interessantes e pouco aprofundadas por aqueles que se dedicam aos estudos da imigração judaica no Brasil. Os dirigentes dessas primeiras comunidades do Oriente Médio no Brasil recepcionaram em suas sinagogas os imigrantes, seus conterrâneos, que chegaram a partir da década de 50 do século XX. Palavras-Chave: Sefaraditas, Judeus Orientais, Árabes/Otomanos, Oriente Médio, Imigrantes. Abstract: the obligatory requirement to join the Turkish army in the first decade of the XX th. Century, unemployment, poverty and conflicts between the ethnic groups in the old Ottoman Empire, lead the Sephardim (Jews from the Iberian Peninsula) and the Oriental Jews (Arabic-speaking Jews) to migrate to the Americas. Although some of these immigrants preferred to settle themselves in Argentina, Uruguay or Chile, a few families settled in Rio de Janeiro and São Paulo. Sephardim from Izmir, Istambul, Rhodes Island and other places of the present Turkish Republic and the Oriental-Jews from Sidon, Beirut, Safed and from other cities of old Palestine organized themselves in communities different and distinct of those of the Askenazim (Yiddish-speaking Jews from Central and Oriental Europe), that migrated in that same period. __________ * Autora de: Imigrantes Judeus do Oriente Médio em São Paulo e Rio de Janeiro. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. Rachel Mizrahi - A Multiculturalidade Otomana... 118 Comparative studies of those communities lead us to unheard of conclusions on studies on the Jewish immigration into Brazil. After studying the Jewish communities in the Ottoman Empire we analysed their insertion into the Brazilian society. Leaders of the first Middle-Eastern communities in Brazil received in their synagogues Jewish immigrants of their same geographic origin that immigrated into Brazil in the 1950’s, after conflicts started between Muslims and Jews following the foundation of the State of Israel. Key words: Ottoman Empire, Multiculturality Identity, Imigration Oriental Jew, Sefardi Jew. Os Otomanos, povo de origem asiática, iniciaram conquistas em direção à Anatólia e Oriente Médio a partir de 1291. Em 1453, depois de conquistar a cidade de Constantinopla, capital do Império Bizantino e baluarte do cristianismo no Oriente, os otomanos ampliaram o domínio sobre extensas terras que iam da Península Balcânica ao Rio Danúbio na Europa e da Anatólia às regiões do Império Árabe e ao norte da África. Em meados do século XVII, absorvendo a Palestina e a Arábia, os otomanos atingiram a máxima extensão do Império, dominando em um único bloco terras dos Mares Negro, Egeu, Vermelho e do Golfo Pérsico, herdando do Islã as grandes concentrações urbanas do Oriente Médio 1 . Istambul, antiga Constantinopla, foi capital desse imenso Império que perdurou até pouco depois do final da I Grande Guerra. Convertidos ao islamismo e conscientes do fracasso das tentativas de imposição religiosa e cultural, os otomanos posicionaram-se nas terras conquistadas compondo uma ampla sociedade pluralista, considerando oportunas e vantajosas as possibilidades de riquezas advindas da tolerância 2 . Diante das diferenças étnico- religiosas e conscientes das possíveis animosidades que poderiam surgir entre os habitantes do Império – muçulmanos, cristãos e judeus —, os otomanos adotaram um sistema administrativo conveniente 3 . Cada grupo religioso organizar-se-ia em 1. Os 400 anos do domínio otomano podem ser sistematizados da seguinte forma: de 1300 a 1402 – período da ascensão do Primeiro Império; apogeu, de 1555 a 1789 e período da desagregação territorial e política do Império: de 1789 a 1914. 2. O Corão manifesta-se de forma clara e inequívoca sobre o judaísmo e o cristianismo, reconhecidos como “formas primitivas, incompletas e imperfeitas do Islã, mas depositárias de uma genuína, ainda que distorcida revelação divina”. In: Stillman, Norman A. The Jews of Arab Lands. A History and Source Book. Philadelphia: The Jewish Publication of America, 1979, p.25. 3. Os judeus apresentavam-se com vantagens quando comparados a outras minorias do Império: não ofereciam ameaça política, nem desafio à fé oficial e, tampouco, disputavam com os muçulmanos a adesão dos pagãos. Já os cristãos, praticantes de uma religião proselitista e competidora, constituíam-se em uma ameaça potencial, visto serem senhores de vasto Império adversário. Os positivos contatos entre otomanos e judeus permitiram Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 117-129 - 2008 119 comunidades próprias e autônomas, denominadas Millet, dirigidas por um chefe religioso, responsável pela administração e cumprimento das leis. Além da religião, o responsável pela Millet cuidava dos deveres e responsabilidades dos participantes comunitários, da segurança coletiva e pagamento dos impostos à classe dominante otomana. A harmonia e a tranqüilidade social constituíam os principais objetivos do sistema organizado pelos otomanos, cujo poder emanava do sultão, personagem central que vivia em um majestoso palácio conhecido, nos círculos diplomáticos, como La Sublime Porte ou La Porte. O soberano constituía a chave do sistema otomano, ponte da lealdade entre governantes e governados. Durante quatro séculos este sistema funcionou e se tornou fator básico de estabilidade em distintos espaços. Por meio dele, diferentes grupos culturais mantiveram-se separados, reduzindo ao mínimo possíveis focos de conflito. Baseado nessa organização administrativa, o Estado Otomano estruturou-se em uma sociedade multicultural. Download 3.63 Kb. Do'stlaringiz bilan baham: |
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