Revista de estudos orientais
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Bibliografia: DEZEM, R. Matizes do “amarelo”: a gênese dos discursos sobre os orientais no Brasil (1878-1908). São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2005. GOMBRICH, E.H. Meditações sobre um cavalinho de pau e outros ensaios sobre teoria da arte. São Paulo: Edusp, 1999. Revista da Semana – Edição semanal ilustrada do Jornal do Brazil (1903-1908) Revista O Malho (1902-1908) SALIBA, Elias T. Raízes do Riso. A representação humorística na história brasileira: da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 65-70 - 2008 65 AS CIDADES, A FAUNA E A FLORA DO bRASIL NO TESTEmUNHO OCULAR DE Um VIAjANTE áRAbE Paulo Daniel Farah* Resumo: O imã bagdali ‘Abdurrahman al-Baghdádi viajou ao Brasil em um navio do Império Otomano na segunda metade do século XIX. Al-Baghdádi permaneceu aproximadamente três anos no Rio de Janeiro, na Bahia e em Pernambuco. No relato que escreveu sobre a experiência, o imã descreve as cidades brasileiras, sua flora, sua fauna e sua gente. Palavras-chave: Brasil, Islam, Árabe, viagem, descrição. Abstract: An Iraqi imam traveled to Brazil in a ship that belonged to the Ottoman Empire in the latter half of the 19th century. ‘Abdurrahman al-Baghdádi stayed about three years in Rio de Janeiro, Bahia and Pernambuco. In the book that Al-Baghdádi wrote about his experience, he describes Brazilian cities, its people, its flora and fauna. Keywords: Brazil, Islam, Arab, travel, description. ‘Abdurrahman al-Baghdádi, o primeiro viajante muçulmano de que se tem registro a deixar um relato sobre sua visita ao Brasil do Oitocentos, tece em seus escritos uma descrição minuciosa das cidades do país, de sua fauna, sua flora e sua gente, pelo prisma de um líder islâmico. Vindo ao Brasil em um navio do Império Otomano, em meados do século XIX, Al-Baghdádi foi identificado como autoridade religiosa por muçulmanos residentes no Rio de Janeiro, onde iniciou seu relato autobiográfico. À então capital do Império, “a mais grandiosa das cidades do Brasil”, reserva elogios: “É a capital do reino elevado: o clima é bom, a água abundante, as construções maravilhosas e foi moldada com base em premissas geométricas. Seus jardins são prazenteiros e seus passeios, perfeitos. Encontra-se a 22 graus de latitude sul e 45 graus de longitude leste, com frações de ambos os lados. O calor é intenso e o lucro no comércio, imenso. A cidade é sólida e bem construída” 1 . * Prof. Dr. da Área de Língua, Literatura e Cultura Árabe do DLO. 1. FARAH, P.D. (ed.) Deleite do Estrangeiro em Tudo o que é Espantoso e Maravilhoso. Argel, Caracas, Rio de Janeiro: BNA, BNV e BNR, 2007, p. 62. Paulo Daniel Farah - As cidades, a fauna e a flora do Brasil... 66 Al-Baghdádi permaneceu no Rio de Janeiro, que abrigava o governo e o setor militar, durante aproximadamente um ano e meio, em um momento em que a cidade passava por transformações na infra-estrutura e em que praças e parques eram reformulados e novas construções erguidas em ritmo de urbanização acelerada. Pouco tempo após a visita do imã bagdali, em 1872, conforme o censo daquele ano indica, moravam na cidade 274.972 pessoas, das quais 48.939 escravizadas. Entre outros temas, o imã descreve o processo de despersonalização e recriação das identidades a que eram submetidos os escravos. Ao explicar como os habitantes do Rio de Janeiro se alimentavam, diz que “seus moradores não conhecem o cultivo do trigo e da cevada, e não há entre eles ninguém que esteja bem informado sobre isso. Comem farinha 2 , e ela é a companheira deles. Trata-se [a mandioca] de uma espécie de planta parecida com a faia. Cultivam-na na planície. Quando alcança o grau de amadurecimento correto, eles a trituram para transformá-la em farinha em pó. É barata, e tanto ricos quanto pobres a comem igualmente. Substitui o trigo porque contém uma substância amilácea e de digestão muito rápida. Eu parei de comer pão de farinha de trigo, ainda que exista neste país, mas [o trigo] é trazido de fora e não se cultiva nesta terra. A farinha não é servida como pão. Se for posta em um molho de carne quente, fica parecida com a ‘aÆída 3 e é comida como um caldo, com arroz e outros alimentos... O alimento da maioria das pessoas é a carne bovina. Eles não valorizam a carne de ovelha nem a de cabrito” 4 . Al-Baghdádi informa que a parada e a permanência no Rio de Janeiro não haviam sido planejadas, mas fruto de uma seqüência de tempestades. O comandante não tomara providências no que diz respeito à questão financeira e precisou pegar dinheiro emprestado em um banco do Rio de Janeiro para os reparos no navio, para a alimentação e para outros gastos relacionados à viagem. O consulado inglês serviu de intermediário para essa transação. O imã escreve extensamente sobre o Brasil. Acerca do processo de sua ocupação, afirma que se trata de “um território que pertence à América do Sul. Foi conquistado pelos filhos de Portugal, que despenderam um grande esforço para erguer e embelezar suas construções e sua arquitetura. Depois disso, nomearam um dos filhos de seus reis para governar o país. Mas ele se apoderou [do governo 2. O autor utiliza a transliteração em árabe da palavra farinha (ﻓﺎﺭﻴﻨﻪ). 3. Espécie de mingau feito de farinha. Come-se – sobretudo no café da manhã ou em épocas festivas – com azeite e mel (ou açúcar) ou com grão-de-bico, lentilha e fava, entre outros alimentos que normalmente são triturados para servir de acompanhamento à ‘aÆída. 4. FARAH, P.D. (ed.), op.cit., p. 63. Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 65-70 - 2008 67 do Brasil], opôs-se ao pai e tornou-se independente dele” 5 . E, à margem do texto, complementa: “Eu acredito que o motivo da denominação Brasil é que este é o nome de uma árvore da qual se extrai uma tinta vermelha chamada Brazuh no idioma dos estrangeiros. Com ela, pinta-se a lã – e Deus sabe mais. A primeira vez em que essa região foi descoberta e passou a ser conhecida foi no ano de 1500 da era cristã. Conta-se que, antes disso, o povo de Djín já a conhecia – e Deus, o Excelso, sabe mais” 6 . O líder religioso também afirma que o país, “atravessado de oeste a leste pelo Rio Amazonas, o maior rio do mundo... que avança a água doce mar adentro por uma longa distância” 7 , possuía 40.000 militares, cerca de 85 vapores, navios de guerra e navios mercantes. Descrição da paisagem Em seu relato, o imã descreve a paisagem, tema indissociável da experiência do viajante do século XIX, e as cidades brasileiras pelas quais passou em suas missões de cunho didático: o Rio de Janeiro, Salvador e Recife. São nítidos no texto a sensação da grandiosidade do universo e o encanto que a floresta virgem – e os seres que nela habitam – despertam em Al-Baghdádi. Em uma seção reservada à “floresta que se estende do Brasil até o Sul da América”, afirma que “nestes reinos há uma floresta famosa cujo interior não se sabe o que abriga por causa da água abundante, de suas densas árvores, de seus animais selvagens estranhos e de seus grandes perigos. Mesmo que um cavaleiro eficiente cavalgasse ao lado da floresta durante um mês, noite e dia, não alcançaria seu final nem sua magnitude. E o mesmo vale para sua amplitude, conforme relataram os habitantes dessa terra (...) Observa-se, naquela floresta, durante a noite e à distância, uma luz como [a de] tochas. Diz-se que é a luz do ouro e das pedras preciosas. E há predadores ferozes, da espécie do tigre e da pantera, e vários tipos de macacos pequenos e diversos animais selvagens e estranhos” 8 . Sobre as riquezas materiais, elabora: “O Estado utiliza papel-moeda por causa da escassez de ouro e de prata. A princípio, tinham esses dois metais, mas se diz que eles se esgotaram. E [o Brasil] possui uma quantidade enorme de dívidas” 9 . Al-Baghdádi descreve com curiosidade evidente os “povos selvagens de 5. ibid, p. 95. 6. ibid. 7. ibid, p. 96. 8. ibid, p. 110 9. ibid, p. 80. Paulo Daniel Farah - As cidades, a fauna e a flora do Brasil... 68 humanos na América” e oferece uma explicação que revela o imaginário em torno da representação dos indígenas, o qual se compõe de seres maravilhosos cuja referência remonta a tempos longínquos: “Nestas terras, há grupos de seres humanos que descendem dos habitantes deste país que não foram civilizados nem subjugados. Os reis dos Estados não puderam comandar uma guerra contra eles porque não conseguem se defender. Eles vivem no interior da floresta e no campo aberto. Mantêm-se à sombra das árvores, como [se fossem] abetardas, com os corpos desnudos, de constituição grande e pés exageradamente grossos, que se distanciam da proporção de seus corpos. Contaram-me que, quando chove, abaixam a cabeça até o chão, erguem os pés 10 e os utilizam como um guarda-chuva para se protegerem. Fazem [os pés] o que ele [o guarda-chuva] faz e evitam que seu dono se molhe (...) As mulheres possuem extrema beleza, seus cabelos vão até abaixo do joelho e prevalece neles um tom prateado e dourado” 11 . A respeito de Salvador da Bahia (cuja pronúncia descreve minuciosamente: “[pronuncia-se] com duplicação do ‘yá’ vocalizado em ‘a’ no paradigma de ‘arabiyya 12 ”), afirma que “é pequena em retidão, grande em extensão 13 e intensa no calorão 14 . Encontra-se a 17 graus e algumas frações de latitude sul e 38 graus e algumas frações de longitude oeste. Sua população em geral come farinha” 15 . Nessa cidade, Al-Baghdádi viu uma grande gaiola de prata repleta de pássaros de diversas espécies. O imã ganhou um papagaio que o impressionou ao imitar a convocação à oração. “Com freqüência, ouvia minha convocação à oração e logo a decorou pela observação, pois era rápido na compreensão e na imitação. Mas não respondia sobre o passado com exatidão” 16 , informa. Os papagaios eram exportados do Brasil para muitos países, de acordo com a explicação do imã. 10. A referência aos seres de pés grandes já aparece em Plínio, o Antigo (23-79 d.C.), História Natural, livro VII. Diversos autores dos séculos XVI, XVII e XVIII mencionam seres maravilhosos como esses. Ver ALDROVANDI, Ulysses, Monstrorum historiae, cum paralipomenis historiæ omnium animalium, Bononiæ, 1642; BARTHOLIN, Thomas, Historiarum anatomicarum rariorum centuriae I et II, Hafniae, 1654-61; NIEREMBERG, Juan Eusébio, Historia naturæ, maxime peregrinæ, libris XVI distincta, Antuerpiæ, 1635; ROBINET, Jean-Baptiste, Considérations philosophiques de la gradation naturelle des formes de l’être, ou les essais de la nature qui apprend à faire l’homme, Paris, 1768. 11. FARAH, P.D. (ed.), op. cit., p. 121 12. Al-Baghdádi translitera a palavra Bahia em árabe (ﺍﺒﺎﺌﻴﺔ) com o uso de uma hamza (ﺀ) e a indicação de uma ºadda (ﹽ) e da vocalização em fat®a (ﹽ). Ademais, ao informar ao leitor que o paradigma para a pronúncia é a palavra ‘arabiyya (ﻋﺭﺒﻴﻪ), indica a tônica do topônimo. 13. Há um trocadilho entre birr (benevolência, fidelidade, bem-fazer, retidão) e barr (terra, terra firme). Em árabe, a grafia dessas palavras é idêntica, pois Al-Baghdádi não registra os diacríticos. 14. A frase se completa com a rima entre barr (terra) e ®arr (calor). 15. FARAH, P.D. (ed.), op.cit., p. 84. 16. ibid, p. 85. Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 65-70 - 2008 69 Outro animal que despertou sua atenção foi a baleia, cuja pesca, bastante rentável, observou em um navio a vapor. “Nela [na baía de Todos os Santos, a maior baía do Brasil], pesca-se um grande peixe, que é chamado entre eles de ‘baleia’ – [pronuncia-se] no paradigma de máhiyya com duplicação do ‘yá’ 17 . A grande [baleia] é vendida por cerca de mil libras e por menos que isso se vende a pequena. Quando uma foi pescada, eu subi no vapor e fui até lá para observá-la. Vi um animal espantoso cuja cabeça tinha a metade de seu corpo aproximadamente... É extremamente forte ao defender-se, sobretudo caso sua fêmea seja pescada primeiro. Em tal caso, pode destroçar o barco, sem desistir, até salvá-la. Retira-se do cérebro desse animal uma quantidade de quarenta barris de óleo, e de alguns se extraem mais, como eu mesmo observei. E todos aqueles que pescam recebem remuneração [fixa] dos comerciantes. E na pesca fazem uso de estratégias que deslumbram os pensamentos” 18 , relata. Comparação entre as frutas locais e as árabes O imã bagdali fala da grande variedade de frutas que encontra no Brasil e se impressiona com seu aspecto, sabor e diversidade. Ele afirma que há no país cinqüenta variedades de frutas inexistentes no Oriente, “à exceção de uvas, romãs e cocos, que são extremamente comuns e baratos”. Ao descrever as frutas brasileiras, procura compará-las à noz, à romã, à tâmara e à uva, entre outras. Em uma provável referência à jaqueira (Artocarpus heterophylla), diz: “Neste país há uma árvore do tamanho da grande nogueira; ou melhor, é ainda maior. Possui frutos maiores do que a abóbora, pendurados no tronco e nos grossos galhos da árvore. A parte externa assemelha-se à pele de um crocodilo e seu interior, a olho, tem o aspecto de uma romã, embora a semente seja como uma tâmara, e no interior de cada semente há um núcleo semelhante [à semente]. Seu sabor se parece com um doce feito de farinha e mel” 19 . Em seguida, afirma que no Brasil “há um fruto que se assemelha a um marmelo na cor e no tamanho. Nada nele é comestível; é como uma esponja cheia de água. Tem uma única semente que a separa dos galhos da árvore. Naquela água, prevalece a acidez, então a adoçam com açúcar. Assim, ela causa na boca o mesmo efeito que a essência de menta, mas é mais gelada por dentro e mais benéfica” 20 . O autor parece descrever o caju, fruto do cajueiro (Anacardium occidentale). 17. Al-Baghdádi translitera a palavra “baleia” em árabe (ﺒﺎﻠﻴﻪ) e indica a ocorrência de uma ºadda (ﹽ) sobre o “yá” para facilitar a pronúncia. 18. FARAH, P.D. (ed.), op.cit., p. 85. 19. ibid, p. 97. 20. ibid, p. 97. Paulo Daniel Farah - As cidades, a fauna e a flora do Brasil... 70 Nessa seção reservada às frutas, afirma ademais: “O que se relatou sobre a origem de uma árvore como um grão semeado no cérebro de um ser humano creio tratar-se de mitos desses povos. E Deus, o Excelso, sabe mais” 21 . Ao ver peles de cobra à venda e transmitir as histórias que ouviu acerca da sucuri, Al-Baghdádi exalta o Criador (“Sublime é o Criador, que exalta o que Ele quer e o que Ele escolhe, isento, em suas ações, de tolice e artificialidade”). A respeito das sucuris relata que “engolem um grande touro e (...) quando elas enchem o estômago de alimento, adormecem e ficam como uma grande montanha”. Embora a maioria dos cientistas considere fruto da fantasia popular a informação de que tais cobras possam comer um boi, de fato elas se alimentam de animais como capivaras, jacarés e veados. Ademais, antes da presença humana intensa nas regiões de seu hábitat, tais cobras poderiam ter vida mais longa e até se desenvolver mais. As sucuris costumam medir aproximadamente 8 metros, mas já foram encontradas espécies com até 11 metros e mais de 400 kg. A terceira cidade visitada por Al-Baghdádi, Recife, cativou sua atenção pela “inclinação para os quadrados mágicos, a geomancia, a numerologia e o sentido místico das letras”, pelo calor intenso e pela industrialização. “Esta cidade é mais quente que a primeira e fica a oito graus da linha do Equador. Se o Sol brilhasse continuamente, queimaria os habitantes, mas, devido à sabedoria do Uno, do Benfeitor, sempre chove (...) Há nesta cidade uma ponte 22 de ferro sobre uma baía ampla; seu comprimento é de cerca de uma milha e sua largura, de quinze braças. E é um prodígio para a contemplação. Os moradores em sua totalidade não exercem nenhum trabalho durante o dia. E os que executam os serviços são os negros porque têm uma capacidade extraordinária de suportar o calor intenso, ao contrário dos brancos. Todos os habitantes são grandes comerciantes, possuem fábricas e têm grandes conhecimentos sobre as indústrias. Nesta cidade, há diversos fortes, cidadelas e construções fortificadas” 23 . O imã passou seu terceiro Ramadã em Pernambuco (o primeiro foi no Rio de Janeiro, onde também presenciou a Páscoa, e o segundo, na Bahia) antes de iniciar a viagem de retorno rumo a Damasco e, posteriormente, a Istambul, seu destino final. 21. ibid, p. 98. 22. Referência provável à Ponte Santa Isabel, situada sobre o rio Capibaribe. Inaugurada em 1863, foi idealizada pelo arquiteto francês Louis Léger Vauthier e construída pelo engenheiro inglês William Martineau. Trata-se da primeira ponte de ferro de Recife. 23. FARAH, P.D. (ed.), op.cit., p. 113. 71 A “FóRmULA DO HORROR à RUSSA” NA bELLE éPOqUE bRASILEIRA Bruno Barretto Gomide* Resumo: Quando leitores de todas as partes do mundo descobriram a literatura russa em fins do século dezenove, freqüentemente associaram-na a noções de contraste e de excesso. Este trabalho apresenta brevemente alguns textos (narrativas pseudo-russas, fantasias literárias, ensaios) publicados no Brasil do fim de século e da belle époque e marcados pela tonalidade patética. Palavras-chave: Literatura russa, literatura comparada, Dostoiévski, belle époque, melodrama. Abstract: When readers all over the world discovered Russian literature in the end of the Nineteenth Century, they frequently linked it with notions of contrast and excess. This article briefly discusses some texts (pseudo-russian narratives, literary phantasies, essays) published in fin-de-siècle and belle époque Brazil and marked by such pathetic tonality. Keywords: Russian literature, comparative literature, Dostoevsky, belle époque, melodrama. - 1 - Do Japão ao Uruguai, passando pelos centros decisórios do sistema literário internacional, a grande novidade de meados da década de 1880 foi a descoberta em bloco dos romancistas russos. O boom do romance russo a partir daqueles anos foi o primeiro caso de atribuição de um sinal positivo a uma literatura vinda da periferia cultural européia: graças a estratégias editoriais pujantes e a um esforço crítico extremamente bem- sucedido, leitores, críticos e ficcionistas mundo afora logo viram naqueles artistas, vindos de paragens tradicionalmente consideradas infensas às coisas do espírito, formas de ruptura na literatura e novas modalidades de junção entre moral e estética 1 . * Professor Doutor na Área de Língua e Literatura Russa do Departamento de Letras Orientais da FFLCH – USP. 1. Um panorama desse boom pode ser encontrado no segundo capítulo de GOMIDE, Bruno. Da Estepe à caatinga: o romance russo no Brasil (1887-1936), 2004. Bruno Barretto Gomide - A “fórmula do horror à russa”... 72 Essa grande novidade literária, que gerou respostas das mais criativas e radicais na crítica e na ficção, veio acompanhada de lugares-comuns que, em parte, foram responsáveis pelo êxito social daquela “nova” literatura e pela correlata transformação da Rússia em um cenário simbolicamente válido nas discussões sobre arte e cultura finisseculares. Em especial, ganhou corpo a idéia de uma alma russa, ou de certos traços nacionais estáveis, creditáveis à mesologia ou a fatores psicológicos, traços obrigatoriamente associados ao excesso e a extremos. São caracterizações que se encontram em alguma medida na tradição intelectual russa, mas que ganharam força de lei em certas camadas da recepção ocidental, e associaram a Rússia, seus escritores, cada texto que estes produziram, a uma espécie de exótico lugar da desmedida e da não-civilização, para o bem ou para o mal. Profundidades insondáveis e arroubos místicos: nessa acepção, o pathos deslizava com freqüência para o patético mais ardente, envolvendo a literatura russa em significados próximos ao êxtase religioso. Olhando em retrospecto, Mário de Andrade abespinhou-se com o intermediário francês através do qual o romance russo se difundira nas últimas décadas do século XIX, e quis resgatar a energia primitiva existente na literatura russa, comparável, a seu ver, com certas potencialidades da cultura brasileira. Considerava que o “gosto absorvente pela Rússia” de Paul Morand era sintoma de decadência, de cansaço e da fadiga da França em seu habitual papel civilizador. 2 No entender de Mário de Andrade existe um núcleo dostoievskiano que evidentemente é produtivo para as discussões literárias, fundamental, até, para as direções da arte moderna, mas que tem que ser permanentemente escoimado de lugares-comuns. Tendo em mente o surrealismo, Mário afirma: “Os franceses estão fazendo do subconsciente o que fizeram da psicologia de Dostoiewsky quando começaram a usar uma fórmula do horror à russa, outra do abismo psicológico, outra da simultaneidade dos sentimentos contraditórios.” 3 O brasileiro faria considerações similares em outras duas ocasiões. Em 1935, lamentava a “moda Dostoievski” e a “moda russa” postas em circulação pela França. 4 Na segunda edição de Compêndio de história da música (1933), aludiu à “moda russa que ridiculamente tomou o mundo desde a última década do século passado”, apêndice indesejável da difusão do gênio musical de Mússorgski e da “escola russa”. O interessante é que a primeira edição do compêndio de Mário, publicado quatro anos antes, trazia a mesma passagem, porém sem o “ridiculamente”. Este foi uma das adições feitas na revisão da edição 2. ANDRADE, Mário de, resenha do livro “L’Europe galante”, de Paul Morand, ago. 1925. 3. ANDRADE, Mário de, resenha da revista “Estética n. 3”, ago. 1925. 4. ANDRADE, Mário de, “Decadência da influência francesa no Brasil” (1935), 1993. Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 71-86 - 2008 73 posterior. 5 Na virada da década de vinte para a de trinta, cresceu a impaciência do escritor com o tributo que Paris exigia da cultura russa. - 2 - Os paroxismos do que se considerava fatidicamente a “alma russa”, envolvida em mistérios estetizados, foram facilmente adaptados pelas tendências culturais do fim de século e da belle époque. Assim o comentarista “Fantasio”, da Cigarra, anunciava a presença, no Rio de Janeiro, de um telepata de nome russo, “(...) cuja terminação em off já traz em si um grande mistério, como tudo quanto é russo”. 6 E o texto informativo de Leitura para todos sobre o lançamento de uma edição francesa das Notas do subsolo proclamava que os leitores certamente se assustariam com os “contrastes impressionadores de ferocidade e compaixão” encontrados na referida obra. 7 Feita a transformação da Rússia e de sua literatura em topos vitalista ou decadente, literatos dos primeiros anos do século vinte prodigalizaram uma série interminável de variações sobre o tema. Veja-se esta extensa citação do quintessencial polígrafo Tomás Lopes: Antes da guerra com o Japão, a Rússia tinha um raro encanto aos olhos de uma geração nova, dominada pelo Evangelho de Tolstoi, comovida pelo gênio de Dostoiewsky, embalada pelas doces lendas de Pouckine, de Tourgueneff, de Gogol, de Kropotkine, de Gorky, afastada do modo de sentir da Raça Latina no Brasil pelo muito que lia, que pensava, que sonhava nas literaturas do Norte da Europa e nas filosofias exóticas. E havia também a paixão do desconhecido: Moscou, por exemplo, era uma cidade verdadeiramente santa; S. Petersburgo um hino ao poder maravilhoso do Imperador, e ao mesmo tempo uma gracilidade da neve e das formas brancas. Do Rio de Janeiro ninguém sabia ou queria saber. Pouco importava que o Pão de Açúcar desabasse e se afogasse; o essencial era que as Ilhas do Neva (que nem um de nós conhecia) continuassem a ser um ponto elegante no inverno. Lembro-me mesmo que uma vez encontrei o Paulo Barreto (nesse tempo ainda não era o brilhante João do Rio) muito nervoso por ter lido numa revista mal informada a possível destruição dos jardins de Peterhoff. Pouco antes tinha caído, vencido por um machado ignaro, e lembrado apenas pelos Cronistas o Baobá gigantesco da Praça da Glória. 8 5. ANDRADE, Mário de, Compêndio de história da música, 1933, 2a ed., pp. 144 e 145; ANDRADE, Mário 6. FANTASIO (pseud. Olavo Bilac). “Crônica”, 4 jul. 1895. 7. “Livros Novos”. Leitura Para Todos, abr. 1909. Trata-se provavelmente da edição Le sous-sol. Roman suivi de deux nouvelles inédites. Paris, Fasquelle, 1909. Tradução de J.-W. Bienstock. 8. LOPES, Tomás. Histórias da vida e da morte, 1907, pp. I-II. Bruno Barretto Gomide - A “fórmula do horror à russa”... 74 O comentário sobre a deliqüescência nevrótica gerada em torno da cultura russa não impediu o autor de enfileirar, na seqüência do mesmo livro, alguns contos (Histórias da vida e da morte, comentados adiante) que são desenvolvimentos da “gracilidade da neve e das formas brancas”. Do mesmo modo, a condessa de Tarnowska, evocada por Gilberto Amado, já está devidamente codificada na chave finissecular das “belas damas sem misericórdia”, de psicologia inescrutável e capazes de atos extremados: Há individualistas e socialistas, cristãos e ateus, divididos nas suas doutrinas, mas aproximados por essa singularidade: todos detestam a mulher. De Tolstoi a Dostoiewski não há deparar exceções. Não só na Rússia, mas nos outros países setentrionais o mesmo sentimento domina entre romancistas e dramaturgos. Todos encarnam na mulher a origem do mal; dão-lhe instintos de fera, insensibilidades mórbidas, extravagâncias grotescas (...) Que sedução não será a desses músculos ágeis de cobra onde a energia fagulha; que maravilha a desses olhos sinistros de opala fria; desses gestos ante os quais a vontade dos homens abdica como diante de uma ordem divina! 9 Em tempos de amor ambíguo, eis o romance russo conforme apresentado por Mario Praz: Nastássias Filípovnas, filhas dos caminhos ocultos de Poe e Baudelaire e netas do Marquês de Sade. 10 Enquetes galantes também eram locais adequados para a inserção de feixes da literatura russa. Entre 1916 e 1917 a revista Seleta fez uma série de “reportagens confidenciais” com senhoras e senhoritas da sociedade fluminense. O quesito “escritores prediletos” (havia também flor, cor, principal defeito, traço caraterístico do caráter, sonho de felicidade, etc.) traz várias menções a Tolstói. Laura Correa Hasslocher, uma das entrevistadas, não cita nenhum romancista russo. Entretanto, à pergunta “a minha divisa”, responde solenemente: “Nitchevo!” – “nada”, em russo. 11 Divisa sem dúvida tributária do “niilismo”, construto filosófico-político atribuído aos russos desde as agitações sociais amplamente acompanhadas pela imprensa ocidental nas décadas de 1870-1880, mas que aqui ganha sobretons de artificialismo estético. 9. AMADO, Gilberto, “Vênus fulva” (1910). Em: A Chave de Salomão e outros escritos, 1914, pp. 62-63. Amado referia-se a certa nobre russa que cometeu um crime em Veneza. O acontecimento foi relatado em: “O mês no estrangeiro – uma tragédia eslava em Veneza”. Leitura para todos, mar. 1910. Na mesma linha, Amado escrevia sobre o “individualismo violento”, de inspiração nietzscheana e “cujos antecedentes literários andam pelas obras de Dostoiewski, pela tragédia dannunziana Piu che l’Amore (...)”. AMADO, Gilberto, “Crime e Suicídio”, 1914, p. 83. 10. Cf. PRAZ, Mario. A carne, a morte e o diabo na literatura romântica, 1996, especialmente pp. 282, 307- 308 e 310. 11. HASSLOCHER, Laura. “Reportagens confidenciais”, 4 nov. 1916. Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 71-86 - 2008 75 Seleta publicou ainda uma fictícia fantasia epistolar entre três mulheres, que consiste numa suma da conexão frenética entre romance russo e “alma russa”. “Renata” é carioca, mas nunca saiu da capital, “Maria da Graça” é a provinciana e “Magdala” é a esteta decadente. Mora num palácio em Florença “a sorrir o seu sorriso triste” e a dispensar conselhos sobre, entre outras coisas, literatura russa, da qual é sacerdotisa-mor. A “remessa” de missivas começa quando Renata solicita a Magdala mais noções sobre os pré-rafaelitas. Em troca, promete-lhe: (...) uma copiosa leitura dos russos. Ensaiei um pouco o teu Gorki e não me dei mal com ele... Mas não me peças os anarquistas sem literatura, por Deus! Ainda ontem dois senhores da Academia Brasileira trocaram tão furiosamente idéias sobre eles, aqui em casa, que acabaram por já não saber mais quais eram as próprias asneiras e atribuíam- se reciprocamente as que afirmavam no começo da discussão. Resultado: a abertura dos nossos salões foi um fiasco. 12 Magdala felicita a amiga pela aproximação com o evangelho russo: Tu me pareces disposta a grandes leituras, e eu te felicito por isso. E também porque não queres saber dos anarquistas russos, sem literatura, embora não saiba o que entendes por isso. Todo o anarquismo russo, Renata, é literatura. O anarquismo russo sem literatura é o errante sem pão, sem lar, abandonado à neve, aos ursos das estepes, e que mal percebe o que os grandes anarquistas – Dostoiewsky, Tolstoi, Gorki... – lhe dão em páginas que nunca ele deverá ler. Hei de te falar mais tarde, noutra carta, da alma russa, da alma triste e dolorosa do Eslavo. Perceberás melhor o anarquismo russo através de um perfil dessa gente que eu amo tanto, e em cujo convívio eduquei a minha emoção de americana nos trópicos. Prometeste-me a sério uma copiosa leitura dos Russos. Prometo-te, por minha vez, muitas sensações russas, que vivem na minha alma de iniciada na Grande Religião... 13 Maria da Graça, por sua vez, entra na conversa e se torna mais uma adepta da doutrinação russa de Magdala: Queres saber o que eu li? – as Vidas dos Santos e O Crime e o Castigo de Dostoïewsky! Papai não gostou de me ver agarrada ao terrível romance; disse que, com a minha mania de ler tudo, eu terminarei no hospício. Os pais não gostam das filhas muito inteligentes! É uma verdade, minha amiga... 14 Na carta seguinte, Renata faz uma pausa nas profundezas russas e fala do clima do Rio, dos malefícios do sol para a pele e da desgraça de não poder usar peles no clima tórrido. Na seqüência, Magdala retoma a sua missão e dá a entender que o amor pela literatura russa nasceu em uma temporada passada no país: 12. “Cartas femininas”, 9 jun. 1915. 13. “Cartas femininas”, 16 jun. 1915. 14. “Cartas femininas”, 23 jun. 1915. Bruno Barretto Gomide - A “fórmula do horror à russa”... 76 (...) A minha alegria de retornar a Florença e a minha tristeza de abandonar a Santa Rússia dos meus encantos, nem t’as posso dizer! Com certeza isso não pelo prazer que eu tivesse em escutar a todo o momento milhares e milhares de bocas a entoarem, num patriotismo religioso, o Bojê Tsara Krani! Silni dero jarni, stsar stouvyna slavouna slavounam... que é, nestes tempos de sangue e de destruição, o hallali com que aquele povo de alma mística investe contra as hostes inimigas... Nem porque a felicidade de me encontrar novamente em Florença seja menor. Às vezes cuido explicar o que vai em mim, numa cisma que me diz que eu poderia sentir ainda mais Florença, se os meus quinze meses de Rússia fossem trinta, sessenta, fossem mais... Contudo esses poucos meses já me bastaram para encontrar uma Florença diferente daquela outra que eu vira, apenas com os olhos de... ocidental.(...) A paisagem só exprime o que existe em nós, na nossa alma. Ainda me lembro da sensação que me deu o primeiro crepúsculo do Neva... Havia uma cruz e o pope ia abençoando aquelas cabeças em contrição. Entretanto o que os meus olhos deveriam ter visto: alguns vaporetti arrepelando as águas que rebrilhavam; a silhouette de uma ponte e uma multidão de operários que ia a recolher. 15 Magdala voltaria à carga em cartas subseqüentes, mas, no começo de 1916, a revista pôs fim a esses eflúvios da alma russa e encerrou a série das cartas “russas”. - 3 - Era comum trazer tais topoi de excesso e desmedida com coloração russa às onipresentes “fantasias” literárias de inícios do século vinte. Algumas misturam temas do repertório político “niilista”, referências ao romance russo e procedimentos do simbolismo e do decadentismo. Em “Decadência”, Coelho Neto relata a vida de duas princesas, uma alemã, outra russa, ambas caídas na miséria. As agruras dessa última desafortunada são tecidas à imagem e semelhança da “Krotkaia de Dostoiewsky”, 16 trazida para o miolo da narrativa como referencial para uma situação que beira o melodrama. Talvez Coelho Neto tivesse em mãos a edição da Plon traduzida por Halpérine-Kaminsky em 1886, da qual constava, além de Krotkaia, o arqui-sentimental L’arbre de Noel e seus extremos de patético (existentes em Dostoiévski, reforçados pela tradução/adaptação). 17 Outra situação-limite é apresentada na trajetória folhetinesca do aventureiro “Steelman”: 15. “Cartas femininas”, 7 jul. 1915. 16. NETO, Coelho, 1925, p. 74. 17. BOUTCHIK, V, Bibliographie des ouvres littéraires russes traduites em français. Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 71-86 - 2008 77 Na Rússia, Steelman comprometeu-se no niilismo, aliando-se, em pacto tremendo, com os impulsivos do otchaiane. Fez-se apóstolo da regeneração, adorou o mujik e preparou uma bomba que explodiu à beira de linha férrea dois segundos depois da passagem dum trem imperial e, uma tarde, à margem do Neva, depois dum conflito, foi espezinhado por um esquadrão de cossacos ficando sobre a neve, com o corpo em pandarecos, e uma costela a pedir solda. 18 Uma palavra enigmática exige explicação. “Ottcháianiie” (“desespero”) foi definida no ensaio O romance russo, do visconde francês Eugène-Melchior de Vogüé, texto de 1886 que foi a pedra de toque da recepção crítica da literatura russa no ocidente, como a espécie de paixão dolorosa (passion doloreuse) que seria o fundamento das narrativas dostoievskianas. É através desse termo russo que o crítico francês busca definir aquela qualidade excessiva, especialmente visível na composição das personagens e em sua complexa psicologia, que impressionou tantos leitores de Dostoiévski: A maioria destas naturezas pode ser reduzida a um tipo comum: excesso de impulsividade, a otchaïanié, este estado de coração e de espírito para o qual me esforço em vão para encontrar equivalente em nossa língua. Dostoïevsky analisa-o em muitos pontos: É a sensação de um homem que, do alto de uma torre elevada, debruça-se sobre o abismo aberto e experimenta um frisson de volúpia ao pensar que poderia atirar-se de cabeça para baixo. Mais depressa, e terminemos! ele pensa. Às vezes são pessoas bastante calmas e comuns que pensam assim... O homem encontra gozo no horror que inspira aos outros... Estende sua alma em um desespero frenético, e este desesperado pede o castigo como uma solução, como qualquer coisa que “decidirá” por ele. 19 O imaginário da belle époque, altamente favorável aos surtos nevróticos do romance russo, confirmava que os textos de Dostoiévski estavam sob a égide do ottcháianiie, numa simbiose entre a consciência desarranjada então atribuída aos eslavos, a deliqüescência mórbida decadentista e a força normativa da psicopatologia criminal. O mesmo ponto já havia, aliás, atraído a atenção de um dos primeiros resenhistas da literatura russa no Brasil. Em 1888, o gaúcho Germano Hasslocher comparou as Recordações da casa dos mortos com A carne, de Júlio Ribeiro, e viu na volúpia do servo chicoteado delineada naquela primeira obra justamente o “excesso de impulsividade” a que Vogüé se referia. 20 Segundo o francês, as Recordações da casa dos mortos estavam eivadas de exemplos de ottcháianiie: a morte de Mikhailov e a história do “velho-crente, de conduta exemplar, que lança 18. NETO, Coelho, 1925, p. 346. 19. VOGÜÉ, Melchior de, 1888, p. 227. 20. HASSLOCHER, Germano, 1888. Bruno Barretto Gomide - A “fórmula do horror à russa”... 78 uma pedra ao comandante unicamente para ser passado pelas varas, ‘para sofrer o sofrimento’”. 21 Um curioso conjunto de contos “pseudo-russos” – narrativas escritas com temas e personagens russas, tentando de alguma forma reproduzir o efeito da “nova” literatura – escritos nos primórdios do século vinte nos ajudará a continuar o percurso. A existência de temas russos na literatura ocidental antecede o boom do romance de Dostoiévski e Tolstói em fins do século dezenove. Balzac escreveu uma “novela russa”, narrativas românticas fizeram dos eslavos bons selvagens e a aliança franco-russa, dos anos 1870 em diante, montou obras e mais obras a partir de estereótipos da vida russa. O folhetim firmou sólido e duradouro pacto com o “tema” russo; cossacos deram colorido a incontáveis romances de aventuras. 22 Embora seja difícil separá-la completamente dessa tradição, há uma forma de narrativa pseudo-russa umbilicalmente dependente do boom, em que aparece a marca dos novos temas críticos e dos romances recém-aparecidos. O próprio Melchior de Vogüé, primus inter pares da crítica receptiva ao romance russo, não resistiu à tentação e escreveu novelas pseudo-russas. Reuniu-as no volume Coeurs russes. 23 O visconde tentou recriar a modulação turguenieviana, apresentando caçadores e servos imersos em melancolia senhorial. Arriscou também uma estória semi-gótica, com enforcamentos e indivíduos aparentemente mortos que ressuscitam. Ou seja, aqueles momentos excessivos que o leitor, segundo o jovem bacharel Clóvis Bevilacqua, escrevendo pioneiramente sobre Dostoiévski em 1889, tinha que fazer “esforços terríveis para suportar”. 24 Contos e Crônicas (1922), de Felício Terra, e Histórias da vida e da morte (1907), de Tomás Lopes são exemplos brasileiros desse micro-gênero. Os contos que os compõem foram publicados originalmente nos primeiros anos do século vinte. Felício Terra (pseudônimo de Nuno de Andrade) publicou seus “pseudo- russos” durante a guerra russo-japonesa. A polaridade maniqueísta gerada pelo evento será um dos muitos elementos melodramáticos presentes nos contos. O autor não faz a menor questão de esconder que a Rússia – e, mais do que ela, a 21. VOGÜÉ, Melchior de, 1888, p. 227. Um comentário sobre o “ottcháianiie” está em BACKÈS, Jean-Louis, “Le Roman russe et l’esthétique du roman”, 1989, p. 30. 22. Para uma compilação extensa de temas russos na Inglaterra, dos primeiros contatos elizabetanos até romances de espionagem da Guerra Fria, cf. CROSS, Anthony, Under western eyes, 1517-1825, 1971; do mesmo autor, The Russian theme in English literature, from the sixteenth century to 1980, 1985. Na América Latina, cf. SCHANZER, Georges, Russian literature in the Hispanic world: a bibliography, 1972. 23. Uma delas foi publicado na revista Primeira, a 10 abr. 1929, com o título “O tempo da servidão.” 24. BEVILAQUA, Clovis, 1889. Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 71-86 - 2008 79 autocracia russa – é um vilão digno dos piores momentos de Eugene Sue. O Japão, por sua vez, é um herói de alma pura. 25 Para pintar o quadro, Terra valeu-se das “negras cores da indignação e do asco” empregadas pelo “solitário Isnaia (sic)” 26 para descrever o despotismo russo. As narrativas tratam de acontecimentos e personagens ligados ao conflito de 1905, ou a episódios da perseguição aos “niilistas” dos anos recentes. Quase todos os contos são cenas de tribunal ou de cárceres subterrâneos. 27 Em “Madame Stoessel”, a mulher do comandante caído em desgraça após a derrota naval confronta o conselho de juízes tiranos, culpa a tirania russa “e despedaçando o vestido para mostrar o flanco desnudado em que os cacos de metralha gravaram extensa cicatriz vermelha, gritou, pela terceira vez – Stoessel!”. A atitude surte o efeito típico das reviravoltas melodramáticas: “Todos baixaram as pálpebras. Aquela cicatriz irradiava como um sol, e os farrapos do vestido brilhavam como auréolas”. 28 “No calabouço” apresenta a mesma situação: o encontro folhetinesco entre uma princesa e o assassino de seu marido, vítima de bomba niilista. Crime e castigo: o bandido andrajoso, à beira de virar nobre, e a princesa, tornando- se aos poucos prostituta misericordiosa, entabulam conversa improvável sobre a intensidade dos respectivos sofrimentos. O preso faz longo discurso sobre a brutalidade da autocracia, prostra-se aos pés da princesa e pede-lhe perdão pelo ato nefando. Reproduz, enfim, a “religião do sofrimento”, noção que Melchior de Vogüé, a partir do encontro entre Raskólnikov e Sônia, situou no cerne do universo dostoievskiano, e assim a transformou em uma das intervenções críticas mais decisivas jamais escritas. O tema da prostituição, numa narrativa banhada do início ao fim de ottcháianiie, está explícito em “Lina, de Moscou”. Novamente, juiz e acusada estão frente a frente. Lina era acusada de ter assassinado quatro soldados. Quando da captura, “fora surpreendida a beijar um punhal, com fervor de alucinada, talvez com requintes de alucinada, talvez com requintes de carniceira”. Lina, cujas mãos “tremiam, como 25. Para não deixar dúvidas, veja-se, resumidamente, como ele descreve Oyama, o líder militar japonês: “(...) brando, profundamente religioso, admiravelmente estóico; insensível ao medo e bravo por temperamento; clemente, justiceiro e sábio; (...) esmoler, sensitivo, artista, às vezes poeta, crente inabalável da supremacia asiática do Japão e nas magnificências da futura vigília mongólica; (...) misto de matemático e de teólogo, de taumaturgo e de aventureiro (...)” TERRA, Felício, Contos e crônicas, 1922, pp. 156-157. 26. Idem, pp. 171-172. O autor refere-se de forma arrevesada a Tolstói. 27. Livros como os de Stepniak pintavam quadros terríveis das prisões russas, e é certamente a essas referências que Terra se voltava quando compunha seus contos. 28. TERRA, Felício, op. cit, p. 23. Bruno Barretto Gomide - A “fórmula do horror à russa”... 80 se o frio do aço houvesse provocado estranhas crispações de gozo”, 29 sentia a volúpia do martírio, identificada por Vogüé no homem prestes a arremessar-se ao chão e no velho-crente supliciado pelo chicote siberiano. E também atribuída por Gilberto Amado aos “músculos ágeis de cobra” da condessa Tarnowska, que era, lembremos, a “mais estranha alma de mulher que jamais conheceram os narradores de melodramas”. Lina, contudo, matou-os porque haviam atentado contra sua pureza, lançando-a no meretrício. A revelação é suficiente para desconcertar o magistrado e torná-lo presa da nevrose: O juiz aproximou-se da desventurada, e insensivelmente tentou despedaçar as algemas com as unhas. Queres fugir, filha? – inquiriu o juiz, rangendo os dentes e com as pupilas enormemente dilatadas, como as do agonizante. Queres fugir, mártir? Perguntou ainda o juiz, colando os lábios febris nas mãos geladas da assassina. (...) O juiz inteiriçou o corpo, distendeu os músculos num largo espreguiçamento felino, tomou o punhal de Lina, deu um grito de desespero e correu, delirante, pelo corredor afora... - Quero matar o grão-duque... quero reabilitar a dignidade humana... quero vingar o infortúnio da Rússia... E brandia o punhal, com a fronte gotejando suor, os cabelos hirtos, a boca cheia de escuma... Estava louco. As Histórias da vida e da morte de Tomás Lopes contêm narrativas de temática diversa; as “russas” estão agrupadas na seção “Páginas mascaradas”, que o autor, conforme o prefácio deixa transparecer, considerava o eixo do volume. O experimento não foi publicado em edição obscura: veio a lume pela Garnier, que, aliás, editou outras obras do autor. Morto precocemente, em Paris, Lopes deixou número considerável de livros publicados. Totalmente esquecido nos dias de hoje, não se trata, pelo menos no que diz respeito à circulação de seu nome entre os contemporâneos, de um pobre-diabo de bulevar. O prefácio, assinado de Paris, oferece pequeno relato dos meandros da composição e publicação das composições pseudo-russas. Os ventos vindos da capital francesa trouxeram a “influência eslava” 30 da religião do sofrimento e animaram Lopes a redigir, em outubro de 1902, o primeiro dos contos russos (“Dúvida”), sob pseudônimo de “Ivan Kalganov”. A presença de extremos, de extração melodramática, fica visível já no título do volume e de suas seções: vida e morte, gelo e sol. E a idéia da máscara, inscrita na seção dedicada aos russos, remete ao emblema máximo da “imaginação 29. Idem, p. 300. 30. LOPES, Tomás, Histórias da vida e da morte, 1907, p. II. Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 71-86 - 2008 81 melodramática”, tal como foi mapeada por Peter Brooks. 31 Além dessas referências, Lopes pode muito bem ter se baseado nas antíteses constantes em títulos de romances russos (Guerra e paz, Crime e castigo). Em contraste com outros contos do livro, as narrativas russas têm em comum títulos sintéticos, que evocam o ideário simbolista: “Dúvida”, “Mistério”, “Agonia”, “Vertigem”, “Espectro” e “Febre”. Logo se vê que tratam de situações- limite, de vórtices emocionais, o que é confirmado pela leitura. São dois suicídios, assassinatos de todo tipo e um atentado político, basicamente variações de ottcháianiie. Os demais contos não-russos constroem ambientação fúnebre e melancólica, mas sem tamanho apreço pelo terrível e pelo impressionante; pelo crime, tema dostoievskiano por excelência. Só os contos pseudo-russos conjuram recursos patéticos no último grau. Os contos “russos” são os únicos que fazem uma modesta tentativa de experimentação literária. Ao atribuir a narração de cada um deles a um objeto específico, Lopes tenta obter efeitos de estranhamento. Contudo, a intenção promissora fica dissolvida pelo próprio autor no prefácio, em que ele se apressa a explicar o significado de cada uma das narrativas das “Páginas mascaradas” e transforma a tentativa de simbolização em mero jogo de esconde-esconde. As vozes do punhal, do revólver, da torre, do veneno e da locomotiva e da fome se manifestam por monólogos interiores, certamente inspirados nos diálogos e na consciência cindida dos personagens de Dostoiévski. Claro está, porém, que Lopes não chega nem perto disso. O que ele consegue, por vezes, é criar um símile de determinadas traduções de Halpérine-Kaminsky e de outros tradutores “amaciadores” que deram o tom à primeira leva de traduções dos russos na França. O propósito de Tomás Lopes é emular o “gênio” dostoievskiano, comover e chocar o leitor. A abertura de “Dúvida” traz o lugar-comum repetido em todos os contos: “Era uma fria noite de inverno; lá fora geava como no Pólo; e eu pensava nas criancinhas que morriam de frio e fome, hirtas e enregeladas na neve da cidade”. A opulência do aposento do “Príncipe Dievouchkine”, cheio de tapeçarias e peles, contrastava, novamente, com “as criancinhas morrendo de frio...”. 32 Em “Mistério”, o frio, a miséria das crianças e a perfídia da mulher, volúvel e contraditória, são elementos definidores de ambiência “russa”. Signos de que Lopes lança mão para criar um simulacro dostoievskiano: 31. BROOKS, Peter, 1995. 32. LOPES, Tomás, 1907, p. 45. Bruno Barretto Gomide - A “fórmula do horror à russa”... 82 Oh! As incoerentes injustiças da alma feminina! Nobre e belo Dmitry Fefitchine! Se eu pudesse salvar-te! Mas como? Se eu não tenho nem vontade nem querer? Nunca lamentei tanto a minha imobilidade passiva; se eu pudesse desfazer-me e queimar-lhe o seio branco onde arfava uma doçura de rola e se encondia manhosamente um coração de víbora! Ah! Aquela mulher, que tão calma e capciosamente enterrava na terra úmida o doce Dmitry Ferfitchine, tão bom e amoroso! 33 Morto “Ferfitchkine” pelas mãos de Olga, o enterro é preparado sob clima plúmbeo: “Daqui a três dias é o enterro de Dmitry Ferfitchkine; que será de Olga? Que miséria! Que frio!”. O clima invernal, espécie de ottcháianiie meteorológico, serve de recurso fácil para dar cor local e caracterizar a miséria humana. Tão fácil que Lopes deixa de lado qualquer preocupação com a verossimilhança. Embora o conto seja datado de “S. Petersburgo – junho – 18++”, este é o cenário desolador do verão russo: “Lá fora ventava e caía a neve. Quanta gente àquela hora não acharia sabor e encanto à vida? (...) Lá fora, o vento e a neve... Que frio! Que frio!”. 34 Em “Agonia”, o príncipe Astafy Tvorogov manuseava seu punhal e preparava-se para cometer suicídio, com o mesmo ottcháianiie que apoderou-se de “Lina de Moscou”. O apelo ao patético desbragado mantinha evidentes laços intertextuais com as traduções afrancesadas de Dostoiévski. Em 1897, o paulista Diário popular oferecia aos leitores versão da “Árvore de Natal.” Originalmente fragmento do Diário de um escritor, no contexto finissecular circulava na supracitada coletânea de novelas e contos adaptada por Halpérine-Kaminsky. Eis como se encerra a estória: Depois de apalpar a face de sua mãe, admirou-se de senti-la completamente imóvel e tão fria como a parede. - Ah! Faz muito frio aqui. Ficou ainda algum tempo junto dela; tendo sua mãozinha pousado no ombro da morta, assoprou os dedos para aquecê-los e agarrando o seu gorro que caíra, saiu às apalpadelas (...) Mas em compensação fazia calor, havia o que comer, ao passo que aqui vê-se movimento, quanta gente caminha, quantos cavalos, quantos carros e sobretudo quanto frio! Ah, este frio! 35 A ligação estreita com as traduções francesas maciçamente disponibilizadas após 1883-1886 se torna ainda mais clara na escolha dos nomes e sobrenomes russos dos personagens das “Páginas mascaradas”. Tomás Lopes obteve suas 33. Idem, pp. 55-56. 34. Idem, p. 68. 35. DOSTOIÉVSKI, Fiódor M, “A árvore de Natal”, 24 dez. 1897. Revista de Estudos Orientais n. 6, pp. 71-86 - 2008 83 informações em um apanhado de obras russas, em especial as de Dostoiévski. A começar pelo próprio pseudônimo com que publicou o primeiro dos contos pseudo-russos em O país: “Kalganov” está nos Irmãos Karamázov. “Tvorogov” é personagem de La femme d´un autre. O “Dievouchkine” do primeiro conto é protagonista de Gente pobre (O nome “Yestafy”, embora existente em outras obras de Dostoiévski, também está nesse primeiro romance). “Ferfítchkine” aparece em Notas do subsolo. “Volkonsky” pode ser Valkóvski, de Humilhados e ofendidos (segundo Vogüé, um “traidor de melodrama”), ou variação dos Bolkônskis de Guerra e paz. A caracterização dos personagens, portanto, é tributária direta da difusão de traduções estabelecida havia cerca de quinze anos. Amparado nas novas traduções de literatura russa disponibilizadas pelo boom, Tomás Lopes parece seguir bem de perto a letra das considerações dos críticos literários. Em “Vertigem”, o facínora Androwitch Forfitkaia prepara-se para arremessar a esposa Catharina Vanikaia do alto da torre-narradora: De súbito Androwitch Forfitkaia, reunindo as suas cansadas forças de bêbado, ergueu Catharina à altura da balaustrada; houve um arrepio naquele corpo fraco que tremia, e ele, o ébrio, gozou alguns instantes o prazer de sentir aquele pavor! E eu, quieta, na minha imobilidade de tantos anos, não podia libertá-la, nem salvá-la! Os verdes olhos de Catharina estavam parados de assombro; ela adivinhava que os braços cansados do marido já não poderiam sustê-la mais tempo; era certa a sua morte, era certa a sua perdição! 36 Nada mais, nada menos do que transposição literal do ottcháianiie tal como descrito em O romance russo – a “sensação de um homem que, do alto de uma torre elevada, debruça-se sobre o abismo aberto e experimenta um frisson de volúpia ao pensar que poderia atirar-se de cabeça para baixo (...) O homem encontra gozo no horror que inspira aos outros...”. Em Histórias da vida e da morte não falta sequer o contexto “niilista”, no qual Coelho Neto inseriu a desesperada palavra russa. O último dos contos de Tomás Lopes (“Febre”) narra justamente um atentado suicida ao trem do tzar Alexandre. Tentando entender as razões que haviam levado o terrorista a tal impulso, a locomotiva-narradora pergunta a si mesma, numa referência velada a Dostoiévski, “que recordações pungentes trazia ele da Sibéria”. 37 Recordações pungentes comovem o leitor: os contos russos de Tomás Lopes terminam onde começam os de Felício Terra – no tribunal, onde crime encontra castigo. 36. LOPES, Tomás, 1907, p. 75. 37. Idem, p. 84. Em 1879, Hartmann tentou explodir o trem do Tzar. Este acontecimento foi um dos muitos que passaram a fazer parte do repertório “niilista” mobilizado por Coelho Neto, Tomás Lopes e Felício Terra. Victor Hugo saiu em defesa do terrorista, então exilado na França. Bruno Barretto Gomide - A “fórmula do horror à russa”... 84 Resenhando as Histórias da vida e da morte, Souza Bandeira opôs-lhes um senão muito razoável: o que havia, afinal, de especificamente russo naquilo tudo? A seu ver, nada: As Histórias revelam ainda o vício, tão comum entre nós, de escolher para sujeito da elaboração literária a vida artificial da sociedade européia, conhecida através de impressões livrescas de terceira ou quarta mão (...) Estou certo de que, publicando o seu novo volume, quis apenas o autor documentar a sua tão interessante individualidade literária. Vê-se bem que não seria mais capaz de fazer um conto russo, descrevendo uma sociedade através das traduções de Tolstoi ou de Dostoievski, e analisando a psicologia de indivíduos do Catete ou das Laranjeiras, a quem apenas “russificou” os nomes e fez tomarem um “drosky” em vez do conhecido bonde. 38 Apesar disso, Bandeira via alguns méritos nos contos: estimulavam os sentidos – produziam “verdadeiros calafrios” – e faziam bom uso do vernáculo. Ou seja: um amálgama de ottcháianiie em pitadas com a boa e velha correção gramatical tão valorizada pelos exegetas da época. Formava-se, em suma, afinidade eletiva entre as teses de críticos como Vogüé, a nevrose atribuída à alma eslava e fetichizada pela belle époque e o conjunto de traduções e adaptações francesas de literatura russa. Download 3.63 Kb. Do'stlaringiz bilan baham: |
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