Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas


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A paisagem africana serviu de cenário a um inesperado conciliábulo 

familiar. Naturalmente, participaram nele João de Sepúlveda e Martim Afonso

que chegaram à fala em Janeiro de 1542, de acordo com a informação 

prestada pelo primeiro a D. João III e guarnecida de elogios aos predicados do 

primo


441

. A eles se juntaram Afonso Henriques de Sepúlveda, que obtivera do 

governador D. Estevão da  Gama autorização para ir de visita ao irmão e 

empreender uma viagem comercial privada

442

; Aleixo de Sousa Chichorro, que 



permanecera na região depois de ter sido rendido na capitania de Sofala

443


; e 

Belchior de Sousa Chichorro, que supostamente terá continuado a viver à beira 

do meio-irmão. 

Os resultados do encontro tornaram-se visíveis, em curto prazo, através 

de uma expectável concertação, de matriz política e consanguínea. Enquanto 

Aleixo e Belchior se incorporaram no séquito do futuro governador, tomando 

                                                 

438


 Cf. carta dos moradores casados de Diu a D. João III, Diu, 16.XI.1543, in IANTT, CC, I-74-

26, fls. 1 e 2.   

439

 Em finais de 1540, o governador anunciou estar para breve a partida de João de Sepúlveda 



para a costa oriental africana – cf. carta de D. Estevão da Gama a D. João III, Goa, 11.XI.1540, 

pub. in DPMAC, vol. VII, pp. 122 e 124. O retorno do mesmo à Índia, nos inícios de Setembro 

de 1544, foi assinalado por Gaspar Correia – cf. Lendas, vol. IV, pp. 406-407.   

440


 Cf. carta de João de Sepúlveda a D. João III, Moçambique, 10.VIII.1542, pub. in DPMAC, 

vol. VII, pp. 130-140.  

441

 «He pessoa quee see na Ymdia muyto deseya e tem muytas boas calidades pêra ela e de 



quem se espera Vossa Alreza ser bem servydo.»  - cf. Ibidem, p. 134. 

442


 Cf. Lendas, vol. IV, p. 211.  

443


 Cf. Ásia, V, viii, 1.  

Martim Afonso de Sousa e a Susa Linhagem – Parte II 

 

240 



lugar a bordo do galeão requisitado por ele nos finais de Fevereiro e aportando 

a Goa a 6 de Maio, Afonso Henriques, que levara três fustas para a costa 

oriental africana e apresara uma embarcação de caminho, esperou pelo mês 

de Março para navegar rumo ao Subcontinente na conserva da restante 

armada

444


Uma vez na Índia, cada um dos fidalgos foi aproveitado  à medida da 

intimidade que os ligava a Martim Afonso de Sousa e da autonomia gozada por 

este para efectuar provimentos de cargos. O Sepúlveda colaborou como 

capitão nas grandes campanhas organizadas em 1542 e 1543, 

nomeadamente, no ataque a Baticalá e na chamada «Viagem do Pagode»

445



obtendo licença, no ano seguinte, para realizar uma expedição comercial à 



China

446


. Belchior de Sousa Chichorro foi incumbido da capitania-mor da 

armada do Malabar, durante todo o tempo de mando do primo

447

. Bastante 



mais expressivo quanto ao aproveitamento utilitário dos vínculos familiares 

revelou-se a posição alcançada por Aleixo de Sousa Chichorro, pois, Martim 

Afonso ofereceu-lhe a serventia da vedoria da Fazenda

448


, cuja vacatura fora 

declarada, em 1541, aquando da renúncia  ao lugar de Fernão Rodrigues de 

Castelo Branco

449


A vedoria havia sido estabelecida em 1517, introduzindo um oficial 

específico na gestão económico-financeira do  Estado da Índia, de modo a 

permitir a concentração do governador nos assuntos de natureza político-

militar

450


. Como esta entidade não ficou de todo arredada daquele campo de 

                                                 

444

 Cf. Ásia, V, viii, 9 e  Lendas, vol. IV, p. 211. Face à disparidade de datas avançadas pelos 



cronistas relativamente ao término da viagem de Martim Afonso de Sousa e da sua esquadra, 

colhem primazia os testemunhos vivenciais – cf. carta do Pe. Francisco Xavier aos membros da 

Companhia de Jesus, Goa, 20.IX.1542, pub. in DHMPPO-I, vol. III, p. 31 e carta de João de 

Sepúlveda a D. João III, Moçambique, 10.VIII.1542, pub. in DPMAC, vol. VII, pp. 134, 136. De 

resto, foi logo no dia 6 de Maio que teve início formal a lide governativa do fidalgo  – cf. 

«Trelado d’arrecadaçam de Martim Afonso que ora veo nestas naos», s.l., s.d. [1546], pub. in 

CSL, vol. I, p. 166.   

445


 Cf. Ásia, V, ix, 1 e V, ix, 7; História, IX, xxxi. 

446


 Cf. Lendas, vol. IV, pp. 415-416 e  «Verdadeira  Enfformaçam...», s.l., s.d., pub. in GTT, vol. 

III, p. 202.  

447

 Cf. Lendas, vol. IV, pp. 252, 306, 404, 421-423, 425 e carta de Martim Afonso de Sousa a D. 



João III, Chaul, 18.XII.1544, in IANTT, CC, I-75-116, fl. 7. 

448


 Cf.  Ásia, V, viii, 9 e  História, IX, xxxi, apresentando discrepâncias quanto ao momento 

concreto da designação.  

449

 Cf. Lendas, vol. IV, p. 210. Agradeço a indicação do facto a Susana Münch Miranda. 



450

 Sobre esta temática geral veja-se o estudo de Susana Münch Miranda, A Administração da 



Fazenda Real no Estado da Índia (1517-1640), Lisboa, FCSH-UNL, 2007, dissertação de 

doutoramento em suporte electrónico.  



Martim Afonso de Sousa e a Susa Linhagem – Parte II 

 

241 



actividade, conservando poder para ordenar gastos e responsabilidade para 

criar condições favoráveis ao crescimento das receitas, emergiam amiúde 

fricções e conflitos jurisdicionais, por vezes graves, a ponto de culminarem no 

abandono de funções por parte dos vedores

451

. Ao fim e ao cabo, fora isso que 



sucedera no casos de Fernão de Alcáçova, o primeiro vedor designado, que se 

incompatibilizou com Lopo Soares de Albergaria

452

, e de Fernão Rodrigues de 



Castelo Branco, que entrou em ruptura com D. Estevão da Gama

453


.  

Tudo indica que a relação pessoal de Martim Afonso e Aleixo de Sousa 

Chichorro fosse excelente, a começar na solidariedade praticada durante o 

governo de Nuno da Cunha

454

 e a terminar no contentamento nascido do 



encontro casual em Moçambique

455


. Ao decidir-se pelo emprego do primo em 

detrimento de outras opções disponíveis entre os agentes do Estado da Índia, o 

governador estaria a agir, conscientemente, no sentido de reforçar a coesão 

linhagística, bem como de prevenir a emergência de atritos de ordem 

regimental e o subsequente desgaste político que o poderia afligir. Neste 

contexto, será até pertinente formular a interrogação se, na falta de um 

apoiante inequívoco

456


, Martim Afonso não teria chamado a si as funções em 

causa, levando às últimas consequências as competências que o rei lhe 

outorgara e adoptando uma postura corente com a exclusão de um capitão-mor 

do mar da Índia do rol dos seus subordinados. 

O favorecimento interessado resulta aqui tanto mais evidente porquanto 

Aleixo de Sousa Chichorro se afastava do perfil habitual dos vedores enviados 

                                                 

451


 Cf. Susana Münch Miranda, «A Administração da Fazenda no Estado da Índia (1545-1560): 

Vedores da Fazenda e Casa dos Contos», in D. João III e o Império..., eds. Roberto Carneiro & 

Artur Teodoro de Matos, pp. 322-323. Exemplo da capacidade de intervenção assegurada aos 

representantes directos da Coroa é a carta de mercê do governo da Índia a Martim Afonso de 

Sousa, na qual o monarca lhe reconheceu alçada para «nas cousas de minha fazenda asi 

naquelas qe tocarem as conpras e vendas das minhas mercadorias e caregadas naos como de 

toda outra Cousa que a bem e proueito de minha fazenda tocar ele  veia e ordene e faca o que 

bem visto lhe for e ouver por mais meu serviço»  – cf. carta de mercê, Almeirim, 12.III.1541, in 

IANTT, Ch. de D. João III, l. 31, fl. 42 v.  

452


 Cf. Ásia, III, i, 10; História, IV, xxvi e Lendas, vol. II, pp. 531-536.  

453


 Cf. Lendas, vol. IV, pp. 208-210.  

454


 Veja-se supra Parte II, nota nº 304.  

455


 Diogo do Couto registou que o «Governador estimou muito achallo alli, porque eram 

parentes, e amigos, e por sua honra, esforço e saber; ficando todos correndo com muitos, e 

grandes primores.» - cf. Ásia, V, viii, 1. 

456


 A solidariedade política de Aleixo ficou bem visível na defesa que fez do primo, junto do 

governador D. João de Castro, a pretexto do caso dos bazarucos, explicado adiante neste 

capítulo – cf. carta de Aleixo de Sousa Chichorro  a D. João de Castro, Cochim, 8.X.1545, pub. 

in Obras, vol. III, pp. 85-87. 



Martim Afonso de Sousa e a Susa Linhagem – Parte II 

 

242 



para a Índia. Era um fidalgo de linhagem, cuja carreira evoluíra nos quadrantes 

tradicionais da guerra e da política, a quem faltava formação júridica e 

experiência rotineira de trabalho burocrático, tanto nos tribunais superiores do 

Reino como na área económico-financeira

457

. A iniciativa do governador terá, 



no entanto, sido bem acolhida por D. João III, considerando as informações 

que lhe chegaram de que Aleixo servia as funções com a diligência 

necessária

458


. Só em 1545, de forma paralela ao despacho de D. João de 

Castro como governador, é que o soberano viria a indigitar novos oficiais para 

se ocuparem do sector, confiando-lhes a execução de uma reforma estrutural 

da administração da Fazenda portuguesa no Oriente

459



O sentido familiar de Martim Afonso de Sousa voltou a ter oportunidade 



para se expressar com desembaraço, em Janeiro de 1545, quando chegaram a 

Goa os ecos da morte do capitão de Malaca, Rui Vaz Pereira

460

. À falta de 



qualquer pessoa detentora da vagante daquela posição, o governador fez 

recair a escolha sobre o seu tio materno, Garcia de  Sá,  que desistiu do 

embarque para Portugal que estava prestes a consumar

461


. Os critérios de 

selecção atenderam, porventura, à veterania do fidalgo, cuja carreira 

ultramarina remontava ao reinado de D. Manuel I e que era um profundo 

                                                 

457

 Cf. Susana Münch Miranda, «A Administração da Fazenda...», in  D. João III e o Império...



eds. Roberto Carneiro & Artur Teodoro de Matos, pp. 323-324 e «Os Primeiros Vedores da 

Fazenda do Estado da Índia: Apontamentos para uma Prosoprografia (1517-1570)», 

comunicação inédita apresentada ao Colóquio A Governação da Índia: Concepções e Práticas 

no Reinado de D. Manuel I, Convento da Arrábida, 19-20 de Abril de 2002.  

458


 Cf. carta de D. Cristóvão da Gama a D. João III, Goa, 18.XI.1542, in IANTT, CC, I-73-20, fl. 

1v.   


459

 Cf. Susana Münch Miranda, «A Administração da Fazenda...», in  D. João III e o Império...

eds. Roberto Carneiro & Artur Teodoro de Matos, pp. 325-327. 

460


 O acontecimento fora, aliás, causa de episódios conturbados. Estando de passagem pelo 

entreposto malaio, em rota para a China, Afonso Henriques de Sepúlveda aproveitara o 

momento das exéquias para liderar um  golpe e tentar aceder ao posto de comando local. 

Atentou, para o efeito, contra a autoridade transitória de Simão Botelho, a quem tinham sido 

dadas instruções para destituir e substituir Rui Vaz Pereira, pela oposição levantada à reforma 

da alfândega de Malaca. O procedimento de Sepúlveda fora animado pela ideia judiciosa de 

que teria constituído a primeira escolha do governador caso ele tivesse conhecimento da sua 

presença na área. A confiança na força dos laços de consanguinidade esmoreceu, porém, 

depois de ter sido, sucessivamente, preso e libertado. Desisitiu então da deslocação ao Império 

dos Ming, achando por bem remeter um pedido de seguro ao primo antes de lhe voltar a 

aparecer à frente na Índia. O fidalgo acabou por falecer pouco tempo depois, vítima de um 

naufrágio, sem que chegasse a tornar-se pública a reacção de Martim Afonso de Sousa  – cf. 



Lendas, vol. IV, pp. 415-418 e  «Verdadeira  Enfformaçam...», s.l., s.d., pub. in GTT, vol. III, p. 

202. Em contrapartida, foi notório o desagrado de D. João III, que mandatou D. João de Castro 

para deter Afonso Henriques de Sepúlveda e o enviar para o Reino – cf. carta de D. João III a 

D. João de Castro, Almeirim, 8.III.1546, pub. in DHMPPO-I, vol. III, p. 276. 

461

 Cf. «Verdadeira  Enfformaçam...», s.l., s.d. , pub. in GTT, vol. III, p. 201;  Ásia, V, x, 9 e 



Lendas, vol. IV, p. 423.  

Martim Afonso de Sousa e a Susa Linhagem – Parte II 

 

243 



conhecedor dos trâmites da administração de fortalezas, graças ao 

cumprimento de três mandatos: dois deles, justamente, em Malaca, de 1519 a 

1521 e de 1529 a 1533, e outro em Baçaim, de 1536 a 1539

462


Em todo o caso, era discutível o carácter inelutável da valia 

representada por Garcia de Sá, «avendo outros fidallguos que ho merecião tão 

bem», como foi salientado à época

463

. Considerando que Martim Afonso de 



Sousa já denunciara o apreço que o tio lhe merecia ao ceder-lhe a honra de 

tomar a dianteira do ataque perpetrado contra Baticalá

464

, infere-se que a 



vontade de privilegiar um parente chegado actuou como factor preponderante 

da decisão. À mistura estaria, porventura, a perspectiva de realização de 

negócios conjuntos entre tio e sobrinho, aproveitando os ricos tráficos 

articulados a partir de Malaca e dando seguimento a um recente ensaio, 

fracassado, que envolvera o carregamento de gengibre para o Reino

465


. Garcia 

de Sá não se livrava, pelo menos, da fama das irregularidades que cometera 

em Malaca no decurso da última estadia, as quais lhe tinham valido uma 

detenção, no ano de 1534, por ordem emanada de D. João III

466



A chegada a Goa de Simão de Melo em Maio de 1545, após uma 



atribulada viagem iniciada em Portugal um ano antes

467


, veio deitar por terra as 

expectativas de longevidade da comissão de serviço atribuída a Garcia de Sá. 

Visto que aquele se apresentava munido de credenciais para assumir a 

capitania de Malaca, o governador começou a dar-lhe o despacho que se 

impunha. Ao que parece, fê-lo sem grandes cuidados ao nível dos meios 

disponibilizados, acusando, quiçá, algum sentimento de frustração

468

. O 


processo acabou por ser encerrado por D. João de Castro, ficando concluída a 

transição de poderes em Malaca nos meados de Novembro do mesmo ano

469



As situações detectadas permitem aferir a elevada disposição de Martim 



Afonso de Sousa para preencher o organograma do Estado da Índia com 

                                                 

462

 Cf. João Paulo Oliveira e Costa (coord. e redacção), Os Primeiros Sás..., pp. 107-108.  



463

 Cf. «Verdadeira Enfformaçam...», s.l., s.d. , pub. in GTT, vol. III, p. 201. 

464

 Cf. História, IX, xxxi.  



465

 Cf. Lendas, vol. IV, p. 408.  

466

 Cf. João Paulo Oliveira e Costa (coord. e redacção), Os Primeiros Sás..., p. 107. 



467

 Cf. Lendas, vol. IV, pp. 413 e 428.  

468

 «Estando aí embarcado para ir da maneira que ele era contente não como eu mereço a V. 



A., chegou Dom João de Castro e em alguma maneira remediou minha embarcação» - cf. carta 

de Simão de Melo a D. João III, Goa, 8.IX.1545, in IANTT, CC, I-76-93, fl. 1v.   

469

 Cf. carta de Simão de Melo a D. João III, Malaca, 15.XI.1545, pub. in  «Cartas de 



“Serviços”...», ed. Luís de Albuquerque & José Pereira da Costa, p. 352.   

Martim Afonso de Sousa e a Susa Linhagem – Parte II 

 

244 



recurso àqueles que lhe eram próximos, sempre que as ocasiões se 

mostravam propícias a isso. O cálculo subjacente acautelava interesses de 

parte a parte, sendo que  os dele se compunham de uma dupla vertente. Por 

um lado, a dispensa de uma protecção susceptível de facilitar a promoção 

sócio-económica dos consanguíneos, dinamizada em perfeita linha de 

continuidade com uma prática que lhe era habitual havia vários anos e que 

radicava numa aguda consciência de parentesco. Por outro lado, a satisfação 

de objectivos de estrita ordem política, que passavam, essencialmente, pela 

criação de condições tendentes ao desenvolvimento de um exercício 

governativo isento de tensões face a outros oficiais, responsáveis por 

actividades tão sensíveis como a gestão económica-financeira do Estado da 

Índia e o patrulhamento naval das águas do Malabar. 

Que o ministério de Martim Afonso de Sousa decorreu sob o signo das 

suas relações interpessoais era uma realidade incontroversa, na percepção 

dos próprios observadores coevos. Com efeito, datam daquele período uma 

série de comentários sustentando remoques sobre a matéria

470

. Dir-se-ia que o 



momento da entrada em Goa constituiu logo um alinhavo dessa inclinação, 

com os cronistas a realçarem o protagonismo ganho, em vários planos de 

acção, por homens de mão do recém-chegado

471


. Mas foi só no rescaldo da 

sua saída de funções, oficialmente verificada a 5 de Setembro de 1545

472

, que 


se produziram críticas  sistemáticas e deveras acres. Serviu-lhes de canal 

difusor um extenso documento dirigido ao rei, sob o título genérico de 

«Verdadeira Enfformaçam das Cousas da Índia», de que se desconhecem 

                                                 

470

 Veja-se supra Parte II, nota nº 249.  



471

 O primeiro foi o fidalgo galego Diogo Soares de Melo, que assumira a condição de 

levantado ao fugir de Goa, em virtude do envolvimento num crime de sangue. Adversário 

confesso de D. Estevão da Gama, partiu ao encontro de Martim Afonso de Sousa, na costa 

oriental africana, de quem obteve um pronto perdão. Na aproximação de ambos à capital do 

Estado da Índia, foi a embarcação de Diogo que procedeu a salvas de artilharia. Saltaram 

então em terra três colaboradores de  Martim Afonso: o capelão francês Gabriel Fermoso, que 

correu a pedir alvíssaras, o secretário António Cardoso e um criado, identificado por Diogo do 

Couto como Jerónimo Gonçalves Sarmento e por Gaspar Correia como Jerónimo Gomes. A 

estes coube a incumbência de avisar pessoalmente as autoridades e de garantir a paragem da 

máquina administrativa do Estado até à hora da tomada de posse, em função da pretensão do 

novo dirigente de surpreender algum deslize a D. Estevão da Gama  – cf. Alexandra Pelúcia, 

«Entre a  Honra e o Proveito: Nobres à Margem do Estado Portguês da Índia na Primeira 

Metade do Século XVI», in  Anais de História de Além-Mar, vol. III, Lisboa, CHAM, 2002, pp. 

173, 175; Ásia, V, viii, 9 e Lendas, vol. IV, pp. 226-227.    

472


 «Trelado d’arrecadaçam de Martim Afonso que ora veo nestas naos», s.l., s.d. [1546], pub. 

in CSL, vol. I, p. 166.   



Martim Afonso de Sousa e a Susa Linhagem – Parte II 

 

245 



tanto a identidade do autor como a data exacta de redacção, embora seja 

possível relegá-la para lá do dia 15 de Novembro de 1545

473



O referido texto é um reflexo das intensas parcialidades políticas que 



agitavam a vida do Estado da Índia, a espaços regulares. Como tal carece de 

legitimidade para ser integralmente tomado ao pé da letra, até porque 

apresenta algumas lacunas e imprecisões

474


. Em termos historiográficos 

resultaria mais fiável e significativo formular conclusões por via directa, quanto 

à extensão e à profundidade das relações de patrocínio impulsionadas por 

Martim Afonso de Sousa nesta fase da sua carreira, surpreendendo a 

existência de vínculos e de actividades mutualistas na correspondência dos 

implicados. Sucede que são apenas cinco as missivas assinadas por ele, entre 

1542 e 1545, e chegadas à actualidade. Por comparação geral com as outras 

redigidas durante o tempo em que estivera de posse da capitania-mor do mar 

da Índia, estas afiguram-se bastante menos ricas ao nível das problemáticas 

abordadas e dos detalhes truculentos semeados de permeio. A excepção, que  

espelha a subsistência da veia polemizadora de Martim Afonso, corresponde à 

carta lavrada a 18 de Dezembro de 1544 e remetida ao rei, como adiante se 

dará conta

475


                                                 

473

 Veja-se «Verdadeira Enfformaçam...», s.l., s.d. , pub. in GTT, vol. III, pp. 199-218. 



474

 Giram estas em torno das seguintes questões: 

- A expedição ao pagode, realizada em obediência a directivas da Coroa, como adiante se 

detalhará, e não por mera iniciativa do governador, como fica subentendido na leitura do 

documento - cf. «Verdadeira Enfformaçam...», s.l., s.d. , pub. in GTT, vol. III, pp. 199-200. 

- A detenção e a  quase execução a que Diogo de Reinoso foi sujeito, evocadas como 

arbitrariedades de Martim Afonso de Sousa, conquanto se justificassem pela entrada que 

aquele fizera pelo Mar Vermelho dentro, violando abertamente o regimento de viagem que lhe 

fora confiado e atraindo a irritação otomana  - cf. Ibidem, pp. 200-201, Ásia, V, ix, 9 e V, x, 4; 

Lendas, vol. IV, pp. 337-338 e 343. 

- A substituição de Diogo Cabral por Jerónimo de Figueiredo no comando da expedição de 

descoberta da Ilha do Ouro, igualmente interpretada à laia de abuso, apesar de o primeiro ter 


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