Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas


Download 3.56 Mb.
Pdf ko'rish
bet8/33
Sana20.02.2017
Hajmi3.56 Mb.
#843
1   ...   4   5   6   7   8   9   10   11   ...   33


 

Garcia de Sousa Chichorro

285

, Vasco Martins teria sido promovido a alcaide-



mor de Bragança, posição na qual se mantinha na Primavera de 1496, a par 

de outra igualmente dignificante, a de fronteiro-mor da comarca

286



A especificidade da procedência linhagística do fidalgo, tão cara aos 



membros da Casa em recomposição, não foi suficiente para motivar um voto 

de crédito da parte do novo duque, algo que  deverá ser menos atribuído  a 

uma qualquer atitude de suspeição pessoal do que à particular  valorização 

que D. Jaime dedicaria à alcaidaria-mor de Bragança. Nessa medida, o posto 

apenas seria compatível com uma personalidade que estivesse muito 

próxima de D. Jaime e que ele quisesse prestigiar de modo especial, alguém 

da têmpera do aio Lopo de Sousa, o qual veio, de facto, a  tomar posse das 

funções em causa, bem  como de outras similares, concernentes  ao castelo 

de Outeiro

287


A exclusão de Vasco Martins de Sousa Chichorro foi ressarcida pela 

Coroa  com recurso a instrumentos financeiros. Para esse efeito , foi 

considerado aceitável o usufruto anua l de 250.000 reais, a serem auferidos 

através de dois padrões de tença distintos: um no valor de 152.800 reais, 

assente na dízima do pescado da Pederneira, e outro no montante 

remanescente de 97.200 reais,  proveniente  da dízima do pescado da 

Atouguia


288

. O leque de compensações  foi alargado a Garcia de Sousa 

Chichorro, certamente  também  dispensado da alcaidaria-mor das sacas de 

Trás-os-Montes, na qual ainda exercia funções na Primavera de 1496

289

. D. 


Manuel I obsequiou-o com uma renda de 30.000 reais, em vida do pai

290


, dos 

quais lhe descontou 12.000, por conta da doação vitalícia do lezirão que 

pertencera à condessa da Atalaia, D. Maria de Noronha, e se situava na 

                                                 

285

 Cf. carta de nomeação de Garcia de Sousa, Colares, 2.X.1491, in IANTT, Ch. de D. João 



II, l. 11, fl. 70v. Garcia de Sousa granjeou ainda autorização régia para haver a renda da 

portagem de Bragança – cf. carta de mercê, Lisboa, 23.X.1491, in IANTT, Ch. de D. João II, l. 

11, fl. 83v.    

286


 Cf. carta de legitimação do filho Fernão de Sousa, Setúbal, 4.V.1496, in IANTT, Ch. de D. 

Manuel I, l. 17, fl. 68 e carta de confirmação de ofício a Diogo Novais, Setúbal, 17.IV. 1496, in 

IANTT, Ch. de D. Manuel I, l. 33, fl. 76. 

287

 Cf. carta de 60.000 reais de tença a Lopo de Sousa, Lisboa, 27.VIII.1499, in IANTT, 



Leitura Nova – Místicos, l. 4, fl. 88v.   

288


 Cf. carta de 250.000 reais de tenças a Vasco Martins de Sousa Chichorro, Quinta da 

Barra, 14.VIII.1497, inserta na carta de confirmação de 123.033 reais de tença a Garcia de 

Sousa Chichorro, Lisboa, 27.III.1522, in IANTT, Ch. de D. João III, l. 3, fl. 12v.  

289


  Cf. carta de nomeação de Álvaro Rodrigues, Setúbal, 21.IV.1496, in  IANTT, Ch. de D. 

Manuel I, l. 43, fl. 9v.  

290


 Cf. carta de tença, Torres Vedras, 19. IX.1496, in IANTT, Ch. de D. Manuel I, l. 29, fl. 82. 

Martim Afonso de Sousa e a Sua Linhagem – Parte I 

  85 


 

chamada lezíria da Malveira, na zona de Vila Franca de Xira

291

.  Como 


acrescento final, foi-lhe reservado, para depois da morte de Vasco Martins, o 

benefício de 123.033 reais dos 152.800 que o pai ganhava da dízima do 

pescado da Pederneira

292


O favorecimento praticado por D. Jaime em relação aos filhos de Pêro 

de Sousa haveria de ganhar, no entanto, ainda maior expressão, com Lopo 

de Sousa a ser beneficiado com o senhorio das terras ducais de Paiva e de 

Baltar

293


; João de Sousa a assumir a gestão superior da abadia de Rates, na 

terra homónima sita no Entre Douro e Minho e sob  tutela da Casa 

bragantina

294


; e Sebastião de Sousa a ser provido na capitania da guarda do 

duque


295

.  Apenas parecem  não ter sido contemplados por igual fonte de 

patrocínio outros dois varões, Gonçalo e Pedro de Sousa. É provável que 

esta situação tenha motivado o pai a trespassar, ainda em vida, em prol  do 

primeiro, 20.000 dos 115.000 reais de tença que usufruía por mercê de D. 

João II


296

, enquanto o futuro do segundo foi salvaguardado com recurso à 

carreira eclesiástica, que lhe franquearia o acesso à tesouraria-mor da sé de 

Lisboa


297

A plena reabilitação dos antigos exilados Sousas Chichorro foi operada 



por D. Manuel I, que readmitiu Pêro de Sousa no Conselho Real

298


, agora na 

                                                 

291

 Cf. carta de doação, Torres Vedras, 19.IX.1496, in  IANTT, Ch. de D. Manuel I, l. 29, fls. 



29v-30. 

292


 Cf. carta de mercê, Quinta da Barra, 14.VIII.1497, in  IANTT, Ch. de D. Manuel I, l. 13, fls. 

60v-61. 


293

 A doação é evocada por D. António Caetano de Sousa  – cf. HGCRP, vol. V, p. 271  – e a 

posse confirmada pelo epitáfio do fidalgo  – cf. Brasões, vol. I, p. 226. 

294


 Cf. carta de legitimação de uma filha de João de Sousa, simplesmente identificada como 

Távora, Lisboa, 27.IV.1501, in IANTT, Ch. de D. Manuel I, l. 17, fl. 34v. O senhorio de Rates 

fora parte integrante do dote que D. Nuno Álvares Pereira concedera à filha, D. Brites 

Pereira, aquando do casamento desta com D. Afonso, o bastardo de D. João I. Celebrado 

em 1401, tal matrimónio esteve na origem da constituição da Casa de Bragança  – cf. 

Joaquim Veríssimo Serrão, s.v. «Bragança, Casa de», in  Dicionário de História de Portugal

vol. I, pp. 371-372.  

295


 Foi nessa qualidade que acompanhou D. Jaime na campanha de Azamor, em 1513  – cf. 

Crónica, III, xlvi. Documentos posteriores apenas o citam como criado e fidalgo do duque  – 

cf. carta de tença de 20.000 reais a Sebastião de Sousa, Lisboa, 26.V.1516, in IANTT, Ch. de 



D. Manuel I, l. 25, fl. 62v e provisão régia de 20.000 reais de tença ao mesmo, Almeirim, 

1.VII.1523, in IANTT, CC, II-108-25. 

296

 Cf. carta de tença de 20.000 reais a  Gonçalo de Sousa, Estremoz, 3.X.1497, in IANTT, 



Ch. de D. Manuel I, l. 13, fl. 23v. Iniciativa semelhante foi desenvolvida por D. Maria Pinheiro

esposa de Pêro de Sousa, em relação ao filho Sebastião  – cf. carta de tença de 20.000 reais 

a Sebastião de Sousa, Lisboa, 26.V.1516, in IANTT, Ch. de D. Manuel I, l. 25, fl. 62v.  

297


 Cf. Linhagens, p. 33 e  Nobiliário, vol. X, p. 553. 

298


 Cf. carta de tença de 95.000 reais a Pêro de Sousa, Estremoz, 3.X.1497, in IANTT, Ch. de 

D. Manuel I, l. 28, fl. 9. 

Martim Afonso de Sousa e a Sua Linhagem – Parte I 

 

86 



 

companhia  do  filho primogénito

299

, além de lhes ter proporcionado diversas 



vantagens materiais, com destaque para a devolução do senhorio do 

Prado


300

.  A verdade é que, talvez por força da idade, Pêro de Sousa não 

voltou a assumir notoriedade política

301


. O protagonismo passou então a 

assistir a Lopo de Sousa, que voltou a Castela, em 1497, com a incumbência 

dada pelo  Venturoso de concertar o enlace de D. Jaime com D. Joana de 

Aragão, filha de Fernando, o  Católico

302

. Foram nulos os resultados da 



iniciativa, devido à bem sucedida intervenção do duque de Medina Sidónia 

para casar a filha, D. Leonor, com o duque de Bragança. Mas, a corroborar a 

condição de homem de confiança gozada por Lopo de Sousa,  junto do 

nubente e do próprio rei de Portugal, esteve a sua participação no acto de 

assinatura do contrato matrimonial, celebrado em Lisboa, a 11 de Setembro 

de 1500


303

 



Foi, pois, num contexto de serenidade e prosperidade familiar que 

Martim Afonso de Sousa veio ao mundo naquele ano, sintomaticamente e de 

acordo com a tradição, em Vila Viçosa, à beira da sombra protectora da corte 

ducal


304

. A sua infância e adolescência constituem, em larguíssima medida, 

um vazio de conhecimento. Será verosímil supô-lo na companhia do pai

descrevendo um circuito itinerante  entre Bragança e  Vila Viçosa, ainda o 

Prado, a partir dos inícios de 1513, e até a corte manuelina, aqui em visitas 

mais curtas e episódicas. Não restarão, igualmente, grandes dúvidas de que 

terá sido alvo de uma educação cuidada e adequada  ao seu estatuto social, 

considerando a  especial  apetência de Lopo de Sousa na matéria, o 

florescimento da cultura humanista no seio do círculo bragantino  e a 

                                                 

299

 Cf. carta de doação da vila do Prado a Lopo de Sousa, Lisboa, 31. XII.1512, in IANTT, 



Leitura Nova - Reis, l. 2, fl. 49v.   

300


 Veja-se supra capítulo 1.1. 

301


 O fidalgo sobreviveu cerca de nove anos ao irmão Rui, falecido em 1498 com 75 anos de 

idade – cf. texto do epitáfio de Rui de Sousa, pub. in Brasões, vol. I, p. 434 e carta de tença 

de 55.000 reais a Lopo de Sousa, Tomar, 8.III.1507, in IANTT, Leitura Nova  – Místicos, l. 1, 

fls. 27-27v.  

302

 Cf. «Instrucção que El Rey D. Manoel deu a Lopo de Sousa sobre o casamento do Duque 



Dom Jayme», Estremoz, 21.II.1497, pub. in Provas, tomo IV -parte I, pp. 12-14. 

303


 Cf. «Contrato de casamento…», Lisboa, 9.IX.1500, pub. in GTT, vol. VI, pp. 483-486. 

304


 Cf. Diogo Barbosa Machado, s.v. «Martim Affonso de Sousa», in  Bibliotheca Lusitana...

vol. III, Coimbra, Atlântica Editora, 1966, p. 434. 



Martim Afonso de Sousa e a Sua Linhagem – Parte I 

  87 


 

excelência do ensino proporcionado por D. Jaime aos jovens fidalgos que se 

achavam sob sua dependência

305


.  

 

Se Martim Afonso de Sousa gozou de alguma iniciação séria à arte da 



guerra durante a década de 1510 é uma questão em aberto. Embora em 

posição de clara subalternidade,  a  idade tê-lo-ia habilitado minimamente  a 

integrar a hoste  conduzida pelo duque de Bragança  durante a campanha 

marroquina de Azamor, em 1513

306

, com oportunidade para gozar do apoio 



mais próximo do tio Sebastião de Sousa; do primo coirmão, por via materna, 

João Rodrigues de Sá e Meneses (aliás, o poeta do Cancioneiro que cantou, 

entre outras, as armas dos Sousas Chichorro

307


); e do 3º primo, D. Francisco 

de Portugal, filho legitimado do arcebispo de Évora, D. Afonso de Portugal, e 

neto de D. Brites de Sousa

308


. Se  tal correspondeu à realidade, nenhum 

registo  o sugere.  Em contrapartida,  tornava -se manifesta, naquela época, a 

atracção sentida por Martim Afonso em relação às armas e à fama que estas 

podiam conferir aos homens de estirpe. Nesta particularidade reside um dos 

ecos mais fortes emitidos acerca da primeira fase da sua vida e que, 

porventura, ajuda a esclarecer a intenção de passar a Castela. 

 

Dir-se-ia ser aquele um gosto de características inatas num jovem 



fidalgo de linhagem, crescendo ao som do relato das  façanhas dos 

antepassados, provavelmente empolgado pela leitura de novelas de cavalaria 

e atento às notícias das actividades bélicas contemporâneas, cuja 

importância captaria mediante as explicações abali zadas do pai. Imagina -se 

bem o entusiasmo que o teria perpassado, algures durante a primeira metade 

da década de 1510, quando teve a oportunidade de ver diante de si a figura, 

mítica já em vida,  de Gonzalo Fernández de Córdoba ou  el Gran Capitán

como fora apelidado pelos homens que tinham  lutado sob  suas ordens 

                                                 

305


 Cf. Luís de Matos, A Corte Literária dos Duques de Bragança, Lisboa, Fundação da Casa 

de Bragança, 1956, pp. 14-16 e Maria de Lurdes Rosa, «D. Jaime...», pp. 329-330.  

306

 Compare-se este hipotético caso com os de Simão de Andrade, cujos primeiros combates 



na Índia foram travados em 1504, também com cerca de 13 anos, e de António Correia, que 

em 1500, contando dez ou onze anos de idade, acompanhou o pai, o feitor Aires Correia, a 

bordo da armada de Pedro Álvares de Cabral, acabando por ser um dos escassos 

sobreviventes do ataque à feitoria portuguesa de Calecut – cf. João Paulo Oliveira e Costa, 

«Simão de Andrade...l», p. 99 e Sandra Coelho, «António Correia», in  Descobridores do 

Brasil..., coord. João Paulo Oliveira e Costa, pp. 353 e 364. 

307


 Cf. Luís G. de Lencastre e Távora, «A Heráldica da Casa de Abrantes. Sás e Lencastres, 

Alcaides-mores do Porto desde o Século XIV», in  Boletim Cultural da Câmara Municipal do 



Porto, vol. 32, fascs. 3/4, Setembro-Dezembro 1969, pp. 589-590. 

308


 Cf. Crónica, III, xlvi. Veja-se o Anexo Genealógico nº VI, VII e VIII. 

Martim Afonso de Sousa e a Sua Linhagem – Parte I 

 

88 



 

durante as Guerras de Itália, visando salvaguardar os interesses de 

Fernando, o Católico, conta as veleidades expansionistas de Carlos VIII e de 

Luís XII de França

309

.    


 

O testemunho do encontro é  algo  tardio, tendo sido originalmente 

fixado por Diogo do Couto nas páginas da  Ásia. Reza a crónica que, 

transitando pelos domínios transmontanos, Gonzalo Fernández de Córdoba 

foi recebido por Lopo de Sousa, que lhe dispensou uma pródiga recepção e o 

fez depois escoltar pelo primogénito  na saída da região. À hora da despedida, 

o célebre cabo-de-guerra teve a iniciativa de presentear o jovem anfitrião com 

um colar de ouro e pedras preciosas, que retirou do peito. Martim Afonso 

esboçou um gesto de rejeição, prontamente interpretado pelo interlocutor 

como um sinal de de um interesse de ordem diversa, pelo que desembainhou 

a espada que portava e lha deu,  para  gáudio do português.  A propósito do 

episódio, acrescentou Diogo do Couto que Martim Afonso de Sousa dedicara 

sempre àquela lâmina um especial afecto, ostentando-a publicamente em 

ocasiões especiais

310



 



Que a dita espada tenha sido oferecida não há razões substanciais 

para descrer

311

. Que a mesma fosse a favorita de Gonzalo, aquela que 



constituíra um prolongamento quase natural da sua mão em inúmeras 

                                                 

309

 Fidalgo andaluz nascido em 1453, Gonz alo Fernández de Córdoba alcançou os primeiros 



êxitos militares durante a Guerra de Granada (1482-1492). Segundo primo, pelo lado 

materno, do rei de Aragão, assumiu em 1494 o comando do corpo expedicionário enviado 

para a Sicília. Após vários embates com as forças francesas, o reino de Nápoles foi integrado 

nos domínios da Coroa aragonesa, devendo-se boa parte do feito à reorganização e 

modernização do exército espanhol, tornado numa máquina de guerra eficiente, regular e 

profissional pelos esforços directos de Gonzalo. Abandonou o vice-reinado de Nápoles em 

1507, experimentando daí em diante uma verdadeira travessia do deserto, marcada por um 

regresso fracassado a Itália em 1512 e pela subsequente retirada definitiva para a Andaluzia. 

Quanto às possibilidades de datar, de forma relativamente precisa, a passagem de Gonzalo 

por Portugal e de esclarecer as respectivas motivações afiguram-se reduzidas. 

Efectivamente, a sua ausência das principais arenas político-militares dificulta bastante a 

reconstituição dos caminhos por ele trilhados entre 1509 e 1512. É sabido que, de Outubro 

de 1512 a Fevereiro de 1513, residiu em Antequera, instalando-se logo de imediato em Loja, 

constando-se depois que «un opaco silencio cubre su vida durante todo el año de 1414.». 

Talvez tenha sido esta a ocasião da sua visita ao reino português. Sobre a biografia da 

personalidade em causa baseio-me, genericamente, na obra de José Enrique Ruiz-

Domènec, El Gran Capitán...  

310


 cf. Ásia, V, x, 11. A respeito do carácter emblemático das espadas na cultura guerreira 

veja-se Maria de Lurdes Rosa, O Morgadio..., pp. 127-129. 

311

 Num codicilo ao seu testamento, lavrado em Lisboa, a 14 de Agosto de 1570, Martim 



Afonso cita uma única espada, feita de ouro, que legou ao neto homónimo, filho do seu 

primogénito, Pêro Lopes de Sousa  – cf. «Cappella de Martim Affonso de Souza e sua mulher 

Dona Anna Pimentel, anno 1570», in IANTT, Convento de S. Francisco de Lisboa – Tombos 

de Instituição de Capelas, livro 4, fl. 1.   


Martim Afonso de Sousa e a Sua Linhagem – Parte I 

  89 


 

pelejas, é de todo improvável. De facto, ao proceder-se ao inventário  post-



mortem dos seus bens pessoais foi assinalada, e alvo de particular ênfase, a 

espada de guerra que lhe pertencera, sendo de tal maneira grande a carga 

associada  ao objecto que, na falta de herdeiros varões directos e para  o 

conservar na posse da família mais próxima  d’el  Gran Capitán, a filha Elvira 

se dispôs a contrair rápido matrimónio com o conde de Cabra

312


 

A evocação da morte de Gonzalo Fernández de Córdoba não se 



presta, meramente, a relativizar o valor da espada de que Martim Afonso de 

Sousa ficara fiel depositário. Sobrevinda em Granada, a 2 de Dezembro de 

1515, é extremamente aliciante adivinhar nesta ocorrência a razão directa do 

impulso sentido pelo filho de Lopo de Sousa, nos inícios de 1516, para cruzar 

a  fronteira luso-castelhana , decidido a homenagear o seu herói e a emulá-lo 

no âmbito de uma viagem iniciática, de ritual de afirmação pessoal e de 

passagem à idade adulta

313


 

O projecto podia não colher o aval pessoal do duque de Bragança e, 



por  sugestão, do  soberano português, mas, vindo de um Sousa Chichorro, 

jamais podia ser classificado de extemporâneo ou totalmente descabido. Em 

termos gerais,  havia uma história multissecular de interesses cruzados entre 

os dois reinos, alicerçada em alinhamentos e desafectos, indutora, nas 

palavras de Luís Krus, de uma «concepção nobiliárquica do espaço 

ibérico»


314

, a qual convergira, ao longo das Idades Média e  Moderna, em 

inúmeras empresas, teóricas ou práticas, cuja análise exige profundidade e 

escapa ao âmbito do presente trabalho. Em termos específicos, os Sousas 

Chichorro  não só eram fruto dessa história comum, como ficou ilustrado pela 

união de Vasco Martins de Sousa e D. Inês Manuel

315

, mas também a tinham 



alimentado, com especial incidência a partir da segunda metade do século 

XV. 


 

A instabilidade política  afigurava-se então endémica em Castela, 

resumindo-se a uma disputa de poder travada entre a nobreza local e a 

dinastia dos Trastâmaras. Portugal experimentara uma situação semelhante. 

                                                 

312


 José Enrique Ruiz-Domènec, El Gran Capitán..., pp. 508-511.  

313


 A importância de uma experiência do género para as esferas nobiliárquicas é salientada in 

Ibidem, pp. 45-48. 

314


 Veja-se Luís Krus,  A Concepção Nobiliárquica do Espaço Ibérico (1280-1380), Lisboa, 

FCG-JNICT, 1994. 

315

 Veja-se supra capítulo 1.1. 



Martim Afonso de Sousa e a Sua Linhagem – Parte I 

 

90 



 

Contudo, enquanto aqui o problema  foi pontual, tendo emergido com o 

abandono da regência por parte do infante D. Pedro (1448)  e tendo sido 

atalhado graças ao desfecho da batalha de Alfarrobeira (1449), no reino 

vizinho remontava aos primórdios da centúria e demoraria a ser, eficazmente, 

resolvido até ao governo dos  Reis Católicos

316

. Durante anos a fio, Castela 



viveu em sobressalto com a turbulência nobiliárquica estimulada pela longa 

menoridade de  D.  João II (r. 1402-1454), pelas ambições  e interferências 

desenvolvidas pelos infantes de Aragão em relação ao território, e pelo 

protagonismo do favorito do rei, D. Álvaro de Luna.  

 

O panorama de crise tendeu a agravar-se após o chamado Golpe de 



Tordesilhas, em 1420, quando D. Henrique, um dos infantes de Aragão, 

logrou subtrair D. João II à custódia do mordomo Juan Hurtado de Mendoza e 

ocasionar o desterro de Luna, que se prolongou por seis anos. Castela 

submergiu, daí em diante e de modo duradouro, em conflitos intestinos, 

marcados pela acção de várias facções. 

 

Entre os elementos política e militarmente mais activos da alta nobreza 



castelhana estiveram os Pimentéis,  senhores da terra e do condado de 

Benavente

317

. Tratava-se de uma linhagem de origem portuguesa



318

 e de 


recente implantação em Castela, por opção  original de D. João Afonso 

Pimentel, senhor de Vinhais e de Bragança. Este pactuara com os interesses 

castelhanos no quadro da crise de 1383-1385. No entanto, terá sido, 

sobretudo, a passividade judicial revelada por D. João I  face ao assassinato 

da sua filha, D. Beatriz  Pimentel, pelo genro, Martim Afonso de Melo, que o 

terá levado ao exílio em 1398

319

. Perspectivando apreciáveis vantagens geo-



                                                 

316


 Veja-se, por todos, Luis Suárez Fernández, Nobleza y Monarquía...  

 

317


Download 3.56 Mb.

Do'stlaringiz bilan baham:
1   ...   4   5   6   7   8   9   10   11   ...   33




Ma'lumotlar bazasi mualliflik huquqi bilan himoyalangan ©fayllar.org 2024
ma'muriyatiga murojaat qiling