Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas


PARTE II  SERVIÇO ULTRAMARINO E REDES DE INFLUÊNCIA


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PARTE II 

SERVIÇO ULTRAMARINO E REDES DE INFLUÊNCIA 

(1530-1553) 

 

 

«Vos peço que vos lembre mynha omra



  qu’eu tenho posta em vosas mãos» 

Carta de Martim Afonso de Sousa a D. António de Ataíde (1534) 

 

«Los  Príncipes y grandes señores son servidos, mas no son 



amados por los salarios que dan, sino por las mercedes que hazen». 

Antonio de Guevara, in Menosprecio de Corte y Alabanza de Aldea (1539), 

obra dedicada a D. João III 

 

 



 

Martim Afonso de Sousa e a Susa Linhagem – Parte II 

 

140 



 

2.1. A capitania-mor da armada e da terra do Brasil 

 

A primeira travessia do deserto da carreira de Martim Afonso de Sousa 



findou em 1530, em coincidência com a indigitação do seu nome para o 

comando de uma esquadra aparelhada para rumar ao litoral brasileiro. Apesar 

de ter sido veiculada por canais diplomáticos em Agosto do mesmo ano

1

, a 



nomeação tardou a ser formalizada até às vésperas da largada, que se 

efectuou, a partir do porto de Lisboa, no dia 3 de Dezembro do mesmo ano

2



Era então patente que o fidalgo, além das normais responsabilidades 



cometidas ao capitão-mor de uma armada real portuguesa, gozaria de alçada 

extraordinária que o habilitava a assumir-se como o primeiro governador da 

Terra de Vera Cruz

3

, de molde a servir os propósitos de relançamento da 



presença portuguesa na região

4



D. João III explicitou, com efeito, atribuir-lhe a capitania-mor «da dita 

armada e terras», nestas se compreendendo tanto as que já se encontravam 

sob jurisdição portuguesa como aquelas que Martim Afonso viesse a descobrir 

e a incorporar nos domínios da Coroa através do assentamento de padrões

5

. O 


monarca reconheceu-lhe ainda poder de mero e misto império, nos foros cível 

e crime, incluindo a faculdade de sentenciar à pena de morte, sem direito a 

apelação, qualquer subordinado que não fosse detentor de estatuto fidalgo

6



Outros diplomas, exarados em simultâneo pela Chancelaria Régia, investiram 

Martim Afonso da autoridade competente para estabelecer no espaço brasileiro 

                                                 

1

 Veja-se supra Parte I, nota  nº 523.  



2

 Cf. Pêro Lopes de Sousa, «Relação da Navegação...», pub. in  Martim Afonso de Sousa, dir. 

Luís de Albuquerque, p. 87.  

3

 Na resenha de descrição da viagem ficou declarado que Martim Afonso de Sousa «ia por 



capitão de uma armada e governador da terra do Brasil.» - cf. Ibidem, p. 87.  

4

 As características da primeira fase de instalação e exploração do território pelos Portugueses, 



que se estendeu de 1501 a 1529, encontram-se detalhadas nos textos de Filipe Nunes de 

Carvalho, «Do Descobrimento à União Ibérica», in  Nova História da Expansão Portuguesa, dir. 

Joel Serrrão & A. H. de Oliveira Marques, vol. VI, O Império Luso-Brasileiro, 1500-1620, coord. 

Harold Johnson & Maria Beatriz Nizza da Silva, Lisboa, Editorial Estampa, 1992, pp. 75-100 e 

de Jorge Couto, A Construção do Brasil, Lisboa, Cosmos, 1997, pp. 183-206.  

5

 A duração da comissão de serviço ficou por regulamentar. Em Setembro de 1532, desprovido 



de informações concretas acerca do que o oficial vinha fazendo «no assento da terra, nem no 

Rio da Prata», o rei considerou ser aconselhável não lhe dar ordens precisas relativamente ao 

prazo de regresso e às operações a desencadeadar no terreno. Não deixava, contudo, de lhe 

apelar ao uso de cuidado e de bom senso no que tocava ao serviço da Coroa – cf. carta de D. 

João III a Martim Afonso de Sousa, Lisboa, 28.IX.1532, pub. in  História da Colonização 

Portuguesa do Brasil, dir. Carlos Malheiro Dias, vol. III, p. 161. 

6

 Cf. carta de poder (I), Castro Verde, 20.XI.1530, pub. in  História da Colonização Portuguesa 



do Brasil, dir. Carlos Malheiro Dias, vol. III, pp. 159-160.  

Martim Afonso de Sousa e a Susa Linhagem – Parte II 

 

141 



tabeliães e oficiais de justiça

7

 e proceder à concessão vitalícia de terras, a 



serem distribuídas, em regime de sesmaria, entre os membros da expedição 

dispostos a ali se fixarem e cujos préstimos justificassem o privilégio

8

. Existiam 



outros objectivos subjacentes à realização da expedição, os quais são omitidos 

pela documentação portuguesa disponível

9

. A lacuna é suprida com recurso a 



informações de origem castelhana e, sobretudo, ao próprio curso dos 

acontecimentos, de que ficaram registos lavrados pelo irmão do capitão-mor, 

Pêro Lopes de Sousa. Adiante haverá melhor ocasião para a respectiva 

apresentação, mas aqueles enunciados afiguram-se, por si só, pertinentes para 

aferir a importância da missão em jogo.  

Daí que houvesse uma necessidade concomitante de prestigiar o oficial 

responsável, determinando a investidura de Martim Afonso de Sousa nas 

funções teóricas de conselheiro do rei. Um novo documento oficializou o acto, 

assinalando como única justificação os «muitos anos de merecimento»

10

. Estes 



foram certamente pesados, mas na fase antecedente de selecção do capitão-

mor a despachar para a Terra de Vera Cruz.  

 Uma perspectiva adicional, que reforça o entendimento de que o 

sucesso da expedição não teria sido concebido separadamente das condições 

oferecidas ao capitão-mor, passa pela averiguação de nela terem sido 

incorporados alguns dos seus consanguíneos, mormente, o irmão Pêro Lopes 

de Sousa

11

, o primo coirmão João de Sousa, alcunhado de Rates por ser um 



                                                 

7

 Cf. carta de poder (II), Castro Verde, 20. XI.1530, pub. in Ibidem, vol. III, p. 160. 



8

 Cf. carta de poder (III), Castro Verde, 20.XI.1530, pub. in Ibidem, vol. III, p. 160. 

9

 «Como tantas vêzes sucede na história da expansão portuguêsa, falta-nos a peça essencial 



dêste processo histórico, o regimento dado por D. João III a Martim Afonso e do qual deveriam 

constar instruções mais minuciosas e algumas, porventura, secretas. Que um regimento existiu 

não cabe dúvida.» - cf. Jaime Cortesão, A Fundação de São Paulo..., p. 93.  

10

 Cf. carta de mercê, Lisboa, 30.XI.1530, in IANTT, Ch. de D. João III, l. 20, fl. 45. 



11

 Foi o responsável pela nau capitania durante a travessia do Atlântico, na qual viajou o 

«capitão Irmão»  – cf. Pêro Lopes de Sousa, «Relação da Navegação...», pp. 87 e 89.  O 

recurso à expressão em epígrafe comportaria um reconhecimento de autoridade, suportada 

tanto pela hierarquia oficial como pelo desnível de idade entre ambos. Carmen Radulet 

esclarece que «parte da crítica, com base em conjecturas, não em elementos seguros, tinha 

colocado a data do nascimento de Pero Lopes de Sousa entre 1500 e 1501. Agora, com base 

no documento da Biblioteca Vaticana é possível estabelecer com razoável certeza, a data do 

seu nascimento entre 1509 e 1510.»  - cf. «A Expedição de Martim Afonso de Sousa ao Brasil: 

Questões Metodológicas e Análise Tipológica da Documentação», in Anais Hidrográficos, tomo 

XLIX (suplemento), VII Reunião Internacional de História da Náutica e da Hidrografia, Manaus, 

1992, s.l., Diretoria de Hidrografia e Navegação, s.d., p. 213.  


Martim Afonso de Sousa e a Susa Linhagem – Parte II 

 

142 



dos filhos ilegítimos do abade daquela terra minhota

12

, e, numa relação 



indefinida, Heitor de Sousa de Ataíde

13





O modelo não era original no contexto das clássicas práticas de guerra 

da nobreza, onde o emprego da parentela e a colaboração preferencial com a 

mesma por parte de quadros destacados era entendido como um suporte de 

acrescida confiança interpessoal, dando por isso azo a fenómenos de literal 

«endogamia profissional»

14

. Como noutros reinos europeus



15

, em Portugal, a 

nobreza continuava a ser percepcionada como um grupo social vocacionado 

para a profissão das armas, nessa medida, cabendo-lhe competências militares 

acrescidas, o monopólio dos lugares de comando, a distinção simbólica de lutar 

a cavalo e a responsabilidade de fazer provas de aptidão e de bravura, em 

campo de batalha. A estabilidade interna conquistada em 1385, apenas 

episodicamente perturbada em 1449, e a afirmação da paz como nota 

dominante das relações externas portuguesas, ou melhor dito, das relações 

luso-castelhanas desenvolvidas entre 1411 e 1475 e de 1479 em diante, 

cortaram muitas das tradicionais hipóteses de promoção e de afirmação social 

e económica à disposição das esferas nobiliárquicas. A solução passou por 

                                                 

12

 Cf.  Fernão Mendes Pinto,  Peregrinação, s.l., IN-CM, 1988, p. 39.  Veja-se o Anexo 



Genealógico nº VII. João de Sousa seguiu para o Brasil desprovido da capitania de qualquer 

vela. O capitão-mor incumbiu-o, a 19 de Fevereiro de 1531, de regressar ao Reino, a bordo de 

uma nau francesa entretanto apresada, a fim de inteirar D. João III dos sucessos alcançados – 

cf. Pêro Lopes de Sousa, «Relação da Navegação...», p. 95. 

13

  Era o capitão do galeão S. Miguel  - cf.  Ibidem,  p. 87.  Por nenhuma via se conseguiu 



identificar  a ligação concreta  da personagem aos Sousas Chichorro, nem mesmo sabendo-se 

que era filho de João Lopes de Almeida e de Jerónima de Sousa  – cf.  Soldados da Índia  – 



Século XVI. Notícias Genealógicas e Biográficas, ed. Rogério de Figueiroa Rêgo, Torres 

Vedras, s.n., 1956, p. 50. A presunção da existência de um laço sanguíneo, comum a Martim 

Afonso de Sousa e a D. António de Ataíde, baseia-se na declaração, feita pelo primeiro ao 

segundo, de que Heitor de Sousa «nom tem outrem senom a V. S., e vay-se ele já pondo como 

sol e hé necesaryo socorer-lhe; e lenbre-vos que põe o Ataide arriba do Sousa, que nom pode 

mays ffazer polos Ataides.»  - cf. carta de Martim Afonso de Sousa [a D. António de Ataíde], 

Cochim, 24.XII.1536, pub. in Cartas..., ed. Georg Schurhammer S.J., p. 27. 

Pêro Lopes de Sousa cita-o apenas como Heitor de Sousa, mas Ataíde era, de facto, o último 

apelido pelo qual respondia. Nesses termos, foi designado pelo rei como capitão da armada 

que se dirigiu à Índia em 1533, testemunhando Martim Afonso de  Sousa ser este o mesmo 

oficial que o secundara no Brasil – cf. Pêro Lopes de Sousa, «Relação da Navegação...», p. 89; 

carta de D. João III a D. António de Ataíde, Évora, 13.VIII.1533, pub. in Letters of John III, King 



of Portugal, 1521-1557, ed. J. D. M. Ford, Cambridge (Massachusetts), Harvard University 

Press, 1931, p. 122 e carta de Martim Afonso de Sousa a D. João III, Cochim, 24.XII.1536, pub. 

in Martim Afonso de Sousa, dir. Luís de Albuquerque, p. 51.  

14

 Cf. Michel Nassiet, Parenté..., pp. 101-103. 



15

 Veja-se Jonathan Dewald, The European Nobility..., pp. 1, 28, 97 e, com especial incidência 

no caso francês, Ellery Schalk, L’Épée et le Sang. Une Histoire du Concept de Noblesse (Vers 

1500 – Vers 1650), Paris, Champ Vallon, 1996, pp. 13-29. 


Martim Afonso de Sousa e a Susa Linhagem – Parte II 

 

143 



trâmites similares aos das restantes nobrezas europeias a braços com a 

afirmação dos respectivos poderes centrais

16

, ou seja, pelo serviço prestado ao 



Estado nos departamentos cortesãos e burocráticos ou em lides bélicas 

espoletadas e alimentadas por interesse nacional. No caso português, isso 

implicou aderir ao movimento de dilatação geopolítica que fixou o primeiro alvo 

em Marrocos e que evoluiu, a partir dali, para outras regiões.  

 A expansão ultramarina, enquanto processo que implicava o  recurso 

constante a actividades militares e paramilitares, além de exigir esforços 

paralelos nas áreas da política e da burocracia, estimulou, efectivamente, a 

precoce intervenção da generalidade dos estratos nobiliárquicos. Todos eles, 

desde os indivíduos recém-nobilitados aos senhores de título, puderam aceder, 

em experiências demoradas ou pontuais, a vários palcos de acção, de 

importância e atracção hierarquizadas, susceptíveis de os legitimarem e 

honrarem enquanto guerreiros e vozes de autoridade, bem como de lhes 

proporcionarem tenças, moradias na Casa Real, regalias comerciais, hábitos e 

comendas de ordens militares, múltiplos cargos e até alguns títulos, em 

correlação directa com os estatutos originais e os méritos demonstrados

17



O protagonismo adquirido pela nobreza na dinâmica expansionista 

portuguesa radicava na utilidade prática dos serviços prestados aos centros 

coordenadores do processo (primeiro a Casa ducal de Viseu e depois a Coroa), 

embora o Estado em vias de modernização não tivesse deixado de explorar a 

vantagem política que consistia em aproveitar o movimento para alicerçar a sua 

superioridade perante os homens a quem eram delegadas in loco as principais 

responsabilidades

18

. O fenómeno explicava-se, igualmente, pela observância 



de um axioma  básico e socialmente incontestado, transposto por Philippe 

                                                 

16

 Cf. Jonathan Dewald, The European Nobility..., pp. 108-148. 



17

 A participação da nobreza nas diversas frentes em que se dividiu a Expansão, ao longo do 

século XV e nos primórdios da centúria seguinte, foi aprofundada  por João Paulo Oliveira e 

Costa nos estudos «A Nobreza e a Expansão. Particularidades de um Fenómeno Social 

Complexo», in A Nobreza e a Expansão..., coord. João Paulo Oliveira e Costa, pp. 13-41  e «A 

Nobreza e a Fundação...», in  Vasco da Gama...,  coord. Joaquim Romero de Magalhães & 

Jorge Manuel Flores, pp. 39-73   

18

 Cf. Antoni Maczak, «The Nobility-State Relationship», p. 199, numa perspectiva geral, e 



Miguel Jasmins Rodrigues, «As Monarquias “Centradas”…», pp. 543-544, numa análise 

direccionada para a experiência nacional e o aproveitamento da emergência do Império pelo 

poder central.  


Martim Afonso de Sousa e a Susa Linhagem – Parte II 

 

144 



Contamine para a fórmula «a mérite égal, le roi préfère et doit préférer un noble 

à un non noble.»

19



A valorização da qualidade de sangue e da preeminência das funções 



exercidas induzia, por acréscimo, a reprodução do sistema de favorecimento 

entre parentes e entre escalões nobiliárquicos desnivelados, potenciando 

solidariedades horizontais e verticais e fomentando a coesão familiar e de 

classe. Assim se justifica, por um lado, que tivesse havido uma prioritária 

incorporação, como agentes ultramarinos, de sujeitos que conjugavam a posse 

de foros de nobreza com o vínculo às entidades promotoras da empresa e, por 

outro lado, que aos oficiais de maior patente fosse reconhecido, implícita senão 

explicitamente

20

, o direito de se constituírem como segundos pólos de 



valimento, levando consigo e fazendo beneficiar parentes e outros 

dependentes. Deste modo, assegurava -se, fora de portas, a reprodução da 

estrutura clânica

21

 da sociedade metropolitana, bem como a sobrevivência do 



espírito e da lógica de funcionamento da hoste medieval, em cujo âmbito a 

entreajuda baseada em elos de sangue e de vassalagem desempenhara um 

papel fulcral. 

A novidade descortinada no ano de 1530 achava-se, portanto, menos na 

acção do que nos sujeitos participantes e no domínio geográfico abrangido. 

Precisando a ideia, esboçava -se então pela primeira vez um concerto de 

Sousas Chichorro no âmbito da construção do Império Português, assente na 

                                                 

19

 Cf. Philippe Contamine, «L’État el les Aristocraties», p. 12.  



20

 Atente-se no exemplo de Manuel Pessanha, pretendido para capitão de Malaca por D. 

Manuel I, com tal determinação que o monarca sentenciou: «posto que de todos eses 

fidallguos, nosos criados, que la estam, temos muy grande confiyanca, pella experiencia da 

pessoa do dicto manuell pecanha avemos por bem que elle fique por capitam na fortelleza que 

fezerdes no dito  mallaca, e com elle, por alcaide, seu filho; e leu e elle comsyguo seus parentes 

e criados, que conyiguo leuou»  - cf. carta de D. Manuel I ao vice-rei D. Francisco de Almeida, 

s.l., (Março ou Abril de) 1506, pub. in CAA, vol. III, p. 271.  

21

 O conceito de clã é aqui aplicado em função da acepção que lhe é  conferida por  Francisco 



Marcos Burgos Esteban, ou seja, um grupo de indivíduos unidos por laços de sangue e 

apostados na mútua assistência, cuja interacção dependia mais da proximidade efectivamente 

cultivada no tempo presente do que da origem familiar comum, que os situava no mesmo plano 

linhagístico. Em causa está, pois, uma noção mais restrita de família do que aquelas 

associadas à linhagem e à parentela.  O clã tendia a excluir do convívio regular os 

consanguíneos mais afastados, bem como aqueles que, sendo carnalmente próximos, tinham 

assumido uma conduta danosa para os interesses colectivos, ocasionado atritos pessoais ou 

cessado a comunicação com os restantes elementos devido a uma situação de distanciamento 

físico e espacial – cf. Los Lazos del Poder..., pp. 125-128 


Martim Afonso de Sousa e a Susa Linhagem – Parte II 

 

145 



interacção e, sobretudo, na hierarquização das energias dos consanguíneos 

envolvidos

22

, tendo por cenário o Brasil e as águas adjacentes. 



Até aí o envolvimento da linhagem na dimensão extra-europeia pautara-

se por um largo conservadorismo, traduzido na elevada concentração de 

presenças no Norte de África

23

. Fora essa a toada prevalecente entre os 



reinados de D. João I e D. Afonso V e mantida durante os governos de D. João 

II e de D. Manuel I. A grande diferença que se pode estabelecer é a de que, no 

lapso temporal que cobriu as duas últimas décadas do século XV e as duas 

primeiras do XVI, as estadias marroquinas de Sousas Chichorro foram pouco 

estimuladas pela participação em actos de conquista

24

, tendo assumido maior 



impacto através do registo de duas baixas em combate

25

 e da ocupação da 



capitania de algumas fortalezas (sublinhe -se que em prol exclusivo de 

descendentes de Rui de Sousa

26

). Daí resultou que D. João de Sousa ficou à 



cabeça da guarnição da Graciosa, em 1489, numa experiência de curta 

                                                 

22

 No capítulo 1.2. foi assinalada a presença simultânea de membros da estirpe em várias 



ofensivas, que visaram a tomada de praças marroquinas, no decurso do século XV. Pela 

importância comportada por essas acções a nível político, militar e ideológico, às quais se 

associaram reis e outras figuras de sangue real, tratavam-se de ocasiões que concitavam a 

adesão massiva da fidalguia. Dado este contexto, será difícil conotá-las com o prosseguimento 

de uma estratégia particular dos Sousas Chichorro. Também o serviço dedicado ao Estado da 

Índia por fidalgos desta linhagem, nas três primeiras décadas quinhentistas, escapou à lógica 

do alinhamento em torno de objectivos e de interesses comuns – assunto a ser retomado neste 

capítulo.     

23

 Veja-se o Anexo de Quadros Sinópticos nº II.  



24

 Sendo certo que o ímpeto de dilatação da influência portuguesa não se manteve ao nível de 

frequência das campanhas organizadas durante o governo do Africano, constata-se que o feito 

de Azamor, em 1513, foi o único a que se associou um membro da linhagem: Sebastião de 

Sousa, tio de Martim de Afonso  – cf.  supra parte I, nota nº 308. É de admitir que alguns 

consanguíneos tivessem passado por ali na qualidade de meros fronteiros, como parece ter 

sucedido com João de Sousa de Lima, de quem há notícia de «que servio em Arzila»  - cf. 

«Livro da Matricula dos Moradores da Casa del Rey D. Manoel...», pub. in Provas, vol. II-parte 

I, p. 445. O genealogista setecentista D. António Caetano de Sousa alude ainda ao serviço de 

D. Gaspar de Sousa, filho de D. Martinho de Távora, em praça não especificada, e de D. Pedro 

de Sousa, neto primogénito e homónimo do conde do Prado, creditado como membro das 

guarnições de Tânger e de Arzila, respectivamente, durante os comandos de D. Duarte de 

Meneses (1507-1521) e de D. Vasco Coutinho (1508-1513)  – cf. HGCRP, vol. XII-parte II, pp. 

120 e 127. Veja-se o Anexo Genealógico nº III, V, e VII. 

25

  A eliminação física de fidalgos em luta contra rivais muçulmanos constituía um ganho de 



honra para os próprios e as respectivas estirpes, as quais ficavam autorizadas a alardear tais 

sacrifícios como parte integrante e importante da folha de serviços colectiva. D. Martinho de 

Távora, filho de Rui de Sousa e capitão de Alcácer Ceguer, foi o primeiro a perecer nessas 

condições, na recta final de Quatrocentos – cf. HGCRP, vol. XII-parte II, p. 115 e carta de tença 

à esposa, D. Isabel Pereira, Lisboa, 4.II.1501, in IANTT,  Ch. de D. Manuel I, l. 37, fl. 1v. Em 

1509, foi a vez de Martim Afonso de Sousa Chichorro, filho de Garcia de Sousa Chichorro, cair 

vitimado durante uma incursão conduzida por D. Francisco de Portugal, a partir de Arzila  – cf. 

Crónica, III, ix. 


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